Por Dom João Mamede Filho**
Considerada por ambientalistas do mundo todo como a “Encíclica Verde”, a Laudato Si tornou-se uma obra lida por cristãos e não cristãos em todos os cantos do mundo. Nela o Papa Francisco convoca a todos a cuidar da nossa “Casa Comum” e de tudo que nela existe.
Em seu chamado, o papa reforça que o planeta é um bem comum a ser preservado e resguardado. Portanto, é nosso dever evitar toda atividade humana que possa degradar, poluir ou apresentar qualquer tipo de ameaça e risco a ele e a quem o habita.
A Laudato Si traz também um forte e insistente apelo para que haja uma guinada rumo a um novo modelo energético e de desenvolvimento, que deixe os combustíveis fósseis no passado. Por serem estas as fontes de energia que mais emitem gases do efeito estufa, elas intensificam as mudanças climáticas, poluem, adoecem e matam.
É importante lembrar que, no princípio da criação, é estabelecida uma relação orgânica entre todos os seres vivos. Tudo o que existe está correlacionado e coexiste de forma sustentável e integral. Mas ao optar por energias sujas como as fósseis, que carregam consigo um rastro de destruição, nos desconectamos do que está ao nosso redor e ignoramos o mal que isso pode causar a nós mesmos e a nossos semelhantes.
Poderíamos nos perguntar, então: “Quando foi que perdemos essa comunhão universal entre todas as formas de vida?” Mas acredito que a pergunta para a qual devemos buscar uma resposta hoje é: “O que podemos fazer?” Ou ainda: “O que devemos fazer para retomar essa comunhão integral ora perdida?”
A Laudato Si já nos aponta uma saída, quando cita, nos números 13 e 14, que as energias renováveis são o caminho para um desenvolvimento sustentável e integral, que mantenha o planeta em equilíbrio, e afirma que todos podemos colaborar, cada um a partir de suas próprias experiências, culturas, iniciativas e capacidades.
Os tempos atuais clamam por novas atitudes, novos modos de vida, mais responsáveis, conscientes e igualitários. Necessitamos de mais diálogo e mais comunhão. Ao ignorar barreiras políticas, territoriais, de cor, de raça ou de credo, as mudanças climáticas unem o mundo pelo sofrimento compartilhado. Para combatê-las, necessitamos manter essa união e transformá-la em uma ação que também seja coletiva, global, comum, e que envolva todos os setores da sociedade em todas as partes do globo.
Há alguns meses, um grupo de respeitados cientistas lançou o alerta de que, caso as emissões de gases-estufa não comecem a cair até 2020, pode ser tarde demais para que a humanidade consiga cumprir as metas climáticas estabelecidas no Acordo de Paris: a de limitar o aumento da temperatura global a pelo menos 2ºC em relação aos níveis pré-industriais.
Isso quer dizer que temos apenas três anos antes que seja tarde demais para salvar o planeta dos piores efeitos do aquecimento global, ainda mais severos do que os que temos vivenciado atualmente. Caso isso não ocorra, variações climáticas imprevisíveis podem causar impactos devastadores, como o aumento dos níveis dos mares, que podem arruinar cultivos pelo mundo inteiro e afetar enormemente as regiões mais populosas do globo, como as áreas costeiras.
Iniciativas que libertem a sociedade da escravidão da cultura do consumo e do lucro a qualquer custo, que têm impactado severamente a nossa Casa Comum, são imprescindíveis. O modelo econômico baseado no uso intensivo de carvão, petróleo e gás, que está no centro do sistema energético mundial, ameaça a sobrevivência do planeta e de suas populações.
Visando mudar isso, no dia 04 de outubro de 2016, Dia de São Francisco de Assis, a Diocese de Umuarama, no Estado do Paraná, se tornou a primeira diocese e a primeira instituição da América Latina a aderir à campanha global pelo desinvestimento em combustíveis fósseis.
Foi o maior anúncio conjunto feito pelo segmento religioso até então. Hoje, um ano depois, mais 40 instituições nos cinco continentes, que representam diferentes campos, desde locais sagrados até entidades financeiras da hierarquia da Igreja, se unem ao chamado pelo desinvestimento. Isso mostra a força do movimento, que já conseguiu retirar mais de US$ 5,2 trilhões de investimentos em combustíveis fósseis em todo o mundo.
Através de mobilizações pacíficas e conscientes, temos seguido o caminho do combate às práticas exploratórias que ameaçam a vida e o bem comum. Promovemos uma agenda de baixo carbono que possibilite gerar uma nova consciência para uma nova economia energética baseada em fontes limpas, justas, livres e acessíveis para todos.
Neste 04 de outubro de 2017, rogo ao padroeiro da ecologia e dos ecologistas, e meu patrono, para que interceda por nós, a fim de seguirmos firmes nessa árdua caminhada rumo à eternidade. “Louvado Sejas.”
*Artigo publicado na Revista Página 22
**Dom João Mamede Filho é bispo da Diocese de Umuarama, membro do Grupo de Trabalho da Igreja e Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e parceiro da 350.org e Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida (Coesus) – na campanha contra o fracking e contra os fósseis na América Latina.