McKibben é fundador do grupo de ativismo ambiental 350.org e este artigo foi originalmente publicado em inglês no New York Times sob o título “Let’s Agree Not to Kill One Another.”

MIDDLEBURY, Vermont — Em um mundo onde o presidente chama uma mulher de “cara de cavalo” no Twitter, é inútil exigir “civilidade”. Então, eu gostaria de sugerir que comecemos com algo mais simples, que talvez possamos conseguir: Paremos de fazer ameaças de morte.

Na semana passada, eu tinha que escrever a um jovem colega do movimento ambiental. Ele trabalha na América do Sul, tem recebido ameaças de morte nas redes sociais e estava muito alarmado.  Eu lhe dei alguns conselhos, pois recebo essas ameaças há muito tempo, mesmo que esporadicamente. Mas não havia muito o que dizer além de “Tome cuidado, saiba que isso é o resultado da sua eficiência e não hesite em se afastar por uns dias”.

Eu tinha a idade dele quando comecei a receber esse tipo de ameaças, na década de 1990, e elas só aumentaram ao longo do tempo, à medida que as campanhas que ajudei a organizar contra os oleodutos ou pelo desinvestimento em combustíveis fósseis ganhavam força. Eu me lembro que um policial me disse: “quem escreve não é quem atira”. Isso me confortou por cerca de 15 segundos, até que me dei conta do significado dessa frase.

O que eu faço é excluir as ameaças do meu e-mail — se não fizer isso, fico olhando para as mensagens e imagino (espero) que o objetivo dos autores seja me distrair.  Se você vai ser um para-raios, o preço a pagar são algumas faíscas.

No entanto, após escrever àquele jovem, algo me fez pensar mais a fundo sobre o tema. Começou na semana passada, quando The Los Angeles Times publicou um artigo de opinião escrito por mim descrevendo um julgamento em Minnesota, em que alguns manifestantes — que agiam de maneira pacífica, sem ameaçar ninguém, e informaram a empresa contra a qual protestavam — ativaram as válvulas de emergência de dois oleodutos e forçaram a empresa a interromper temporariamente o fluxo de petróleo das areias betuminosas do Canadá aos Estados Unidos.

O caso contra os manifestantes foi indeferido, pois eles não tinham causado dano algum; em meu ensaio, eu tentei explicar por que a desobediência civil não violenta auxiliou na luta por um clima praticável.

Nem todos concordaram. Aliás, algumas horas após sua publicação, um site chamado Watts Up With That? atacou meu artigo. Essa empresa — que afirma ser o site sobre o clima mais lido do mundo e diz contar com três a quatro milhões de visitantes por mês — dedica-se a promover a ideia de que não há o que temer em relação às mudanças climáticas. O autor do texto que atacou meu ensaio, David Middleton, me chamou de lunático e fez referência ao meu “peito escavado”. Sem comentários. Infelizmente, parece ser assim que a política funciona em tempos de Trump.

Então começaram os comentários. Uma pessoa perguntou: “Alguém sabe o endereço de Bill McKibben? Vamos ver o que ele realmente pensa sobre ‘desobediência civil’ quando ela bater à sua porta”. Outra pessoa acrescentou: “Dê um tapa nele por mim”. Um ou outro tentou acalmar os ânimos. Mas também houve o seguinte comentário de alguém chamado “gnomish”: “Vale a pena observar o protocolo S.S.S. A sigla significa shoot (atirar), shovel (cavar) e S.T.F.U. (ficar quieto). Espero que isso ajude a resolver o problema”.

Esse “protocolo” foi extraído da luta da direita contra as leis de proteção a espécies ameaçadas. Digamos que, caso houvesse um pica-pau protegido em sua terra, a doutrina dos “Três S” diria para você matá-lo, enterrá-lo e não contar a ninguém. No caso, era uma incitação pública para que alguém me matasse. Um pouco depois, outra pessoa, chamada “Carbon Bigfoot”, divulgou meu endereço.

Eu gelei.

Pensava estar acostumado ao abuso nas redes sociais. Mas isso era diferente: uma tranquila discussão pública sobre como me encontrar e o que fazer comigo. Ninguém excluiu o comentário de “gnomish”. A conversa simplesmente continuou.

Sei que é muito pior para mulheres; estremeço ao imaginar como tem estado o e-mail de Christine Blasey Ford. Conheço a história americana o suficiente para entender que, para pessoas negras, a ameaça se concretizou com uma regularidade assustadora. Sei que em outros lugares é pior — no ano passado,  207 ambientalistas ou defensores foram assassinados no mundo todo. Não sei se essas pessoas realmente desejam me matar, mas é perturbador imaginar que alguém, entre os milhões de visitantes do site, vai ler os comentários e decidir vir até minha casa.

Mas além do meu medo — estou instalando câmeras de vigilância, pois as ameaças de morte públicas levam ao isolamento dos privilegiados — o que realmente me incomodou foi a pouca importância dada a tudo isso. O que isso diz sobre uma sociedade em que as pessoas costumam incitar a morte de quem discorda delas? Observe que “gnomish” abreviou sua frase ofensiva, pois palavrões não são permitidos no site. Mas parece que os administradores ignoraram a ameaça de morte.

Ameaçar matar ou estuprar alguém não deveria ser algo banal. Isso deveria chocar todas as pessoas que presenciam uma ameaça. Nem deveríamos precisar dizer isso, mas é cada vez mais necessário, principalmente em um mundo em que o presidente afirmou que esperava ansiosamente pelo dia em que os manifestantes fossem retirados de cena “em uma maca”. É triste e animador ver que o aparente assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi parece ter interrompido temporariamente os negócios. Esse tipo de choque e revolta é essencial, pois em um mundo onde os dissidentes são desmembrados, não há esperança de mudança. A possibilidade de ser assassinado por emitir uma opinião torna a discussão essencialmente impossível. Uma sociedade em que os críticos temem a morte é uma sociedade com menos críticos e, portanto, com menos chances de mudança.

Na minha opinião, a não violência é a melhor invenção do século XX, sobretudo porque ela abre a possibilidade de transformação, não de dominação. Era isso que eu queria dizer em meu artigo de opinião – o mesmo pelo qual recebi ameaças de morte. Mas devemos praticar a não violência em pequenos e grandes âmbitos, de maneira discreta e intensa.

No caso do Watts Up With That, eu mesmo fiz o esforço para reduzir a intensidade do conflito. Há alguns anos, eu tinha uma palestra programada em uma pequena cidade da Califórnia onde o proprietário do site, Anthony Watts, morava. Entrei em contato com ele e o convidei para tomar uma cerveja. Eu sabia que não ia mudar a opinião dele sobre as mudanças climáticas, e ele sabia que eu continuaria pensando que seu trabalho destrói o planeta. Mas sempre me pareceu boa ideia aproximar-se das pessoas.

E correu tudo bem. Tomamos algumas cervejas, ele escreveu uma nota sobre nossa conversa para colocar em seu site, e a maioria das pessoas nos elogiou nos comentários por sentar e conversar. (Foi tão estranho que até saiu no The Times). Mas, diante do cenário político atual, em que as pessoas se dividem em grupos e batem no peito, não demorou muito para que as coisas voltassem à triste normalidade.

Eu não quero que esse site saia do ar; não quero que as pessoas que ali escrevem sejam processadas. E, definitivamente, não quero que sejam assassinadas. Só quero que as pessoas parem de fazer ameaças de morte — e que o mundo volte à sua antiga normalidade de gentileza. Na minha opinião, é o mínimo que podemos pedir.

Bill McKibben, fundador da 350.org, é professor de estudos ambientais no Middlebury College e autor do livro “Falter: Has the Human Game Begun to Play Itself Out?”