Na semana do Dia da Amazônia, comemorado no dia 5 de setembro, muitas vozes ecoam da maior floresta tropical do planeta, com uma mescla de ancestralidade, etnocultura e, acima, de tudo, resiliência. São indígenas, guardiões da natureza, que representam no chão a defesa do meio ambiente e do clima.

São vozes de mulheres indígenas, como a de Telma Taurepang, de Roraima, coordenadora geral da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB) – que hoje reúne mais de 10 mil indígenas de diferentes povos em nove estados da Amazônia Legal, do Amazonas até Mato Grosso. Ela expõe uma realidade vivenciada no dia a dia, que grande parte da sociedade desconhece, em boa parte de mais de 420 áreas demarcadas, localizadas em 115,3 milhões de hectares, que representam 23% do território amazônico.

Cosmologia indígena

“Para nós, indígenas, a terra não é meio, a terra para nós é a própria espiritualidade ligada à matéria. Ela é a nossa ‘mãe terra’, que nos dá água e alimento, e representa o seio familiar. Por isso, para nós, é nosso território, nosso todo”. Segundo Telma, este contexto inclui a saúde, a educação e o próprio cuidado com a terra. “Portanto, o que é meio ambiente para o branco, para nós, significa a vida. Sem o território, não existe esse conjunto. Por isso, precisamos de políticas públicas permanentes que garantam este direito (constitucional)”, afirma Telma.

Alguns dos mecanismos de conservação que devem ser mantidos, segundo ela, são os planos de gestão territorial e ambiental, que estão sendo implementados. “Precisamos conservar nossa terra mãe, nosso território, que a gente não vende, não troca e não tem negociação nenhuma. Sabemos que cuidando dela, também estamos cuidando da humanidade no planeta”.

Mudanças climáticas

Mas os desafios são muitos hoje, segundo ela. “As mudanças climáticas estão afetando diretamente as comunidades indígenas. Não temos mais chuva em um período regular, como era antigamente. No ano de 1999, por exemplo, acontecia ainda dessa forma. A chuva era para nós um momento já esperado. Chegava entre março e maio e terminava em final de julho. Os anos foram passando e tudo isso foi alterado”, diz.

Esta desregulação afetou a própria sustentabilidade nas aldeias. “Uma época em que se fazia a roça, não se faz mais. O que acontece hoje é que com a capina, faz a derrubada, mas não vem a planta. Ou então, a gente planta, cresce, mas aí vem o aquecimento que acaba cozinhando a macaxeira e a batata. Elas ficam fofas e se desintegram. Daí não têm mais qualidade, como antigamente”, explica.

“Os incêndios e queimadas estão afetando nossas terras indígenas, com muita devastação. Está acabando a nossa produção sustentável. A nossa alimentação está ficando escassa, como também a água evaporando. Estamos a caminho de uma grande catástrofe”, alerta a indígena.

De acordo com Telma, o que causa a mudança climática e o aquecimento global é justamente uma combinação de diferentes fatores: o desmatamento (ilegal) por meio da mineração; de hidrelétricas, que quando são construídas, afetam diretamente as terras onde havia bastante plantações, além do aumento de culturas de monocultivos e pastagens extensivos.

Empoderamento feminino indígena

“Para defender os direitos indígenas e a manutenção das florestas, hoje a mulheres indígenas está ocupando cada vez mais espaços”, diz a presidente a UMIAB. A organização atua do nível municipal ao internacional. “Participamos da primeira marcha das mulheres indígenas, em Brasília, em agosto. Lá estávamos em mais de três mil mulheres indígenas de todo o país. Demos visibilidade à causa e produzimos uma carta, na qual falamos o que queremos, como queremos e o que almejamos. Nós estamos e vamos resistir aos grandes retrocessos. Nós, como mulheres, não fraquejamos, unidas somos aguerridas. Seja qual batalha for, nós iremos vencer”, afirma Telma.

Olhar para o futuro

E complementa – “Nós continuamos nesta resistência, somos a própria resistência. A meta é que as próximas gerações tenham em punho a própria caneta para a defesa indígena. Hoje temos médicos e médicas, advogados (as), antropólogos (as) e continuamos a resistir e existir no contexto desse governo. A mulher é resistente há mais de 519 anos e a meta é formar líderes, de diferentes povos, para que eles levem a nossa voz e continuem a resistir. Somos mulheres e estamos aqui para continuar a luta, com o objetivo de ter um futuro melhor do que esse de hoje”, diz a líder indígena.

Sobre a 350.org Brasil e a causa indígena

A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas.

Desde o início, trabalha questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis junto às comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa das comunidades afetadas por meio da campanha Defensores do Clima.

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Sucena Shkrada Resk – jornalista ambiental, especialista em política internacional e meio ambiente e sociedade, é digital organizer da 350.org Brasil

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