A Cúpula do Clima, da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada nesta segunda-feira (23/09), em Nova York, EUA, revelou, por mais uma vez, um cenário geopolítico com ambições modestas, muito aquém da necessidade para atingir a meta de frear o aumento da temperatura média do planeta em 1.5º C até o final do século (hoje já está na casa de 1 grau), em comparação com os níveis pré-industriais (Entenda o que está em jogo com o limite de aumento da temperatura média do planeta em 1.5º C até o final do século). Este é o desafio mais uma vez imposto no campo das negociações, que estará à mesa na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP-25), em dezembro, no Chile.

Principais nações poluidoras – China, EUA e Índia – não aderiram ao impulsionamento de medidas com este objetivo estabelecidas por mais de 70 países, que anunciaram que vão se “esforçar” em providências mais efetivas, por meio de planos emergenciais em andamento. O Brasil, que ocupa a 7º colocação em emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs) nem chegou a ter participação oficial na cúpula, por não ter apresentado resultados parciais e um plano mais ambicioso ao que havia estabelecido, durante o Acordo de Paris, durante a COP-21, que é o espaço de negociações internacionais climáticas. O Itamaraty emitiu uma nota oficial afirmando que o país reitera os compromissos já firmados.

Na ciranda de desafios apresentados na Cúpula do Clima, é necessário falar de mais um ator importante, que é a União Europeia (UE). Bloco que junto à China, EUA e Índia respondem por 60% das emissões. A expectativa é que a UE deve ter um avanço ainda a ser selado, se comprometendo com a redução de 55% de suas emissões até 2030, o que acrescenta 15 pontos ao que havia estabelecido também no Acordo de Paris. A Rússia, que está em quinto lugar, se manifestou que está ratificando o Acordo de Paris.

Desde 2015, a dificuldade quanto à descarbonização no planeta ainda é predominante, quando mais de 190 estados-membros acordaram em cumprir metas voluntárias até os anos de 2025 e 2030, visando a mitigação (redução das emissões de gases de efeito estufa) e adaptação aos impactos inevitáveis das mudanças climáticas e do Aquecimento Global.

As contas simplesmente não fecham, segundo os cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que dão suporte aos governos. Ao se manter este modelo de desenvolvimento que privilegia os combustíveis fósseis e o mau uso da terra, com atividades extensivas e desmatamentos, a emissão dos GEEs só tende a extrapolar e causar este desequilíbrio já perceptível no planeta. Fica impossível neutralizar (obter balanço entre o que se emite e o que se capta) de gás carbônico equivalente até 2050, o que é indispensável para se atingir o limite de 1.5 º C. Há hipóteses de que o aumento supere os 3º.

Com a palavra, a juventude

Paloma Costa e Greta Thunberg, na Cúpula do Clima - ONU - 2019

Foto: Kay Nietfeld/picture alliance/Getty Images

Essa falta de empenho, que se estende ao longo dos anos, já teve uma resposta da sociedade por meio de um termômetro apontado pelas mobilizações globais pelo clima e pela participação de jovens na própria Cúpula do Clima, nesta segunda, e na Cúpula Jovem do Clima, no dia 21 (veja também Mobilização Global pelo Clima fortalece que não existe “Plano B” para o planeta). A jovem sueca Greta Thunberg, 16 anos, não poupou palavras para cobrar ações dos adultos tomadores de decisão (confira seu depoimento), como também, a brasileira Paloma Costa, 27, que representou o Brasil, no dia 23, ao lado do indiano Anurag Saha Roy, a convite do secretário-geral da ONU António Guterres.

Em uma situação que reverteu historicamente os protocolos mais fechados nestes eventos, a brasileira foi a representante civil do país, e teve oportunidade de expressar aos governantes presentes, os anseios como cidadã.

Paloma Costa é estudante de direito, cicloativista, trabalha no terceiro setor socioambiental e é integrante do coletivo jovem Engajamundo, que atua na área climática. Ela é uma das criadoras do projeto Ciclimáticos, que consiste em viagens de bicicleta em locais afetados pelas mudanças climáticas. Ela e seu parceiro de projeto João Henrique Alves Cerqueira, até agora, já percorreram mais de 500 km e fizeram registros e coletaram depoimentos em diferentes locais do Brasil. Entre as localidades, a Serra da Cantareira, em São Paulo, o litoral paranaense e o interior baiano. O objetivo, segundo eles,  é trazer elementos quanto à adaptação e mitigação. Um case e tanto para os tomadores de decisão.

Confira o discurso de Paloma Costa

“Obrigado, senhor Secretário-Geral.

Meu nome é Paloma Costa, e eu sou do Brasil.

Eu sou uma socioambientalista, cicloativista, educadora do clima e mobilizadora da juventude. Eu venho testemunhando como comunidades indígenas e tradicionais e outros grupos minoritários sofrem o impacto da crise climática.

Um grande líder indígena do Brasil disse recentemente que os povos indígenas têm resistido desde o início. E quanto a nós? Estaremos aptos a resistir? Bem, a juventude está mobilizada, nós não vamos trabalhar com indústrias que desmatam, nós não ficaremos em silêncio. Já mudamos nossos hábitos, e vocês não estão nos acompanhando. Os povos indígenas possuem tanto conhecimento e conexão com nossa Terra, e nós ainda não damos ouvidos a eles. Eles se unem para proteger sua terra, por que não podemos fazer a mesma coisa e proteger nosso lar?

Nas últimas semanas, o mundo viu com horror as chamas consumirem a Amazônia. Eu vi o mundo rezando por nossas florestas e vi nossos povos indígenas lutando pela sobrevivência. Nós não precisamos de orações, nós precisamos de ação. E a reação que vemos não é suficiente. Então eu me pergunto: precisamos ver a Amazônia em chamas para começar a fazer alguma coisa? Eu acho que não.

Desde minha primeira greve pelo clima com a Greta, na COP 24, meio bilhão de árvores foram destruídas na Amazônia. As pessoas ainda me perguntam se eu tenho medo de defender o meio ambiente, porque defensores ambientais vivem em grande perigo. Bem, eu não tenho! Tenho medo de morrer por causa da crise climática.

Estamos vivendo uma emergência climática que está afetando nossa segurança alimentar, nossa saúde e nossas vidas. E nós temos as soluções para resiliência e para mitigação.

Nós vivemos em um mundo dividido, enquanto temos aqui as melhores mentes ainda há pessoas fora daqui, e aqui dentro, se perguntando se a crise climática é real ou não. Bem, é.

O próprio Secretário-Geral lançou um desafio ao mundo, eu tenho trabalhado junto com a ONU para ajudar a realizar a Cúpula da Juventude para o Clima, no sábado, por meio do grupo de trabalho jovem. Eu sei que todos aqui estão prontos. Eu sei. Vocês vão parar de falar para que possamos transformar os compromissos em ação e solução? Ou vamos esperar nos encontrarmos ano que vem novamente aqui? Se eu posso pedir alguma coisa a nossos líderes eu diria que quero que todas as nações declarem emergência climática, para que isso se torne o primeiro item da agenda de todos os líderes. Minha demanda não é uma mera declaração simbólica, mas um compromisso genuíno com o meio ambiente e com os povos originários e tradicionais, que o protegeram por séculos e que ainda são oprimidos.

Eu continuarei a informar a juventude, a defender os direitos humanos e ambientais, a ouvir os jovens e os povos indígenas, para construir a agenda do clima no Brasil sem desculpas. Eu não quero ouvir desculpas aqui. Agora é a SUA vez de fazer história e de tomar uma atitude urgente, para garantir um futuro seguro para todos nós. Vamos fazer isso juntos. Estamos aqui agora. É a nossa hora”.
*Em vídeo: https://youtu.be/P9QzCLYamDQ
(Fonte: ISA)

Decisões extra-oficiais são mais ambiciosas

Com a dificuldade presente no campo oficial geopolítico das negociações climáticas, outras iniciativas fora deste ambiente de governança das nações deram também passos mais ousados, nos últimos dias. Um dos exemplos neste sentido é o da criação de um painel de cientistas semelhante ao Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que tem como foco a Pan-Amazônia.

O grupo reúne principalmente pesquisadores dos nove países da região (Brasil, Bolívia, Colômbia, as Guianas, Equador, o Peru, o Suriname e a Venezuela) e outros que se dedicam a esta agenda. O objetivo é a produção de um documento com a compilação de estudos e recomendações a ser entregue a governantes e ao empresariado ainda no primeiro semestre do ano que vem. O anúncio foi feito, no dia 21, pelo climatologista Carlos Nobre, com apoio do economista norte-americano Jeffrey Sachs (leia também A hipótese da savanização da Amazônia se torna cada vez mais provável).

Segundo a ONU, o pacto pelo avanço de medidas que vem ao encontro do Acordo De Paris também teve a adesão de 10 Governos regionais, 102 cidades, 12 investidores e 93 empresas.

Sobre a 350.org Brasil e a causa climática

A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas.

Desde o início, trabalha questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis junto às comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa das comunidades afetadas por meio da campanha Defensores do Clima.

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Sucena Shkrada Resk – jornalista ambiental, especialista em política internacional, e meio ambiente e sociedade, é digital organizer da 350.org Brasil

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