Às vésperas das próximas Rodadas de Licitações de Blocos de Exploração de Petróleo e Gás, que ocorrem entre o mês de outubro e novembro de 2019, realizadas pela Agência Nacional do Petróleo e Gás (ANP), a 350.org Brasil, COESUS – Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida e o Instituto Internacional Arayara, relatam o comportamento sistemático que vem ocorrendo ao longo da temporada de leilões – fazendo com que seja impedido de forma sistemática o acesso da sociedade civil organizada nestes eventos.

ANP age sistematicamente para barrar a entrada da sociedade civil em leilões

Lugares vazios na 15ª Rodada de Licitações

Em outubro de 2017, durante a 2ª e 3ª Rodada do Pré-sal, sucedida no Grand Hyatt Hotel, no Rio de Janeiro (RJ), oito ativistas dessas organizações tiveram sua entrada cerceada, mesmo que estes contassem com ordem judicial que garantia acesso ao evento. Os únicos pré-requisitos solicitados pela 8ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, foram o cumprimento das normas de segurança e organização estabelecidas para o evento: que todos fossem devidamente identificados com documentação pessoal, não portassem armas e objetos, seguissem o cronograma do procedimento e estivessem dentro do número máximo de pessoas permitidas no local.

Embora todas os requisitos tenham sido cumpridos pelo grupo de pessoas, a ANP, representada por seu diretor, Décio Oddone, ignorou os condutos, defendendo à data que não havia vagas disponíveis no local – fato que foi desmentido pela imprensa logo ao início do leilão, divulgando uma série de assentos vazios na sala utilizada. De acordo com a então diretora da 350.org Brasil e América Latina, Nicole Figueiredo de Oliveira, “barrar a sociedade civil em um leilão público já é uma afronta, mas fazer isso quando todos tinham em mãos uma liminar judicial garantindo o direito de entrada é pior”. 

Nicole caracterizou o episódio como “uma total falta de respeito com a população brasileira”. “Vemos seguidamente a ANP desrespeitar direitos básicos, como o direito à consulta livre, prévia e informada, o direito de acesso à informação e o direito de ir e vir. Mas seguiremos pressionando o governo em todas as esferas de poder para que nossa voz seja ouvida”, complementou. 

O fato não foi isolado e ocorreu novamente na 15ª Rodada de Licitações, realizada em 29 de março de 2019, no Hotel Pullman São Conrado, também no Rio de Janeiro (RJ). No mesmo sentido, a 3ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro, determinou que o leilão é um ato público e concedeu a liminar para a participação da sociedade civil. No texto da liminar, expedida pelo juiz federal, Vitor Barbosa Valpuesta, foi destacado que os impedimentos ocorrem de forma recorrente – “se fazem presentes indícios veementes de que o direito de circulação e manifestação dos pacientes em atos públicos de procedimentos conduzidos pela ANP já foi violado em outras oportunidades (notícias de periódico, manifestações de entidades em sítio de internet, notícia-crime ofertada em razão de suposto descumprimento de ordem judicial anteriormente conferida)”. 

Porém, durante o regime de plantão judicial, já na madrugada que antecedia a 15ª Rodada de Licitações, a ANP entrou com uma medida contra esta liminar. Embora tenha sido notificado que não havia como protocolar uma ação que anularia o habeas corpus já concedido, outro juiz de primeira instância acabou a revogando por considerar não haver causa suficiente. De acordo com o diretor de campanhas da 350.org América Latina e fundador da COESUS, Juliano Bueno de Araújo, as medidas tomadas pela 3ª Vara Criminal demonstram um sério descrédito do poder judiciário em questão. 

Ata Notarial do ocorrido na 5ª rodada de licitações

“Nossa vontade é descobrir qual é urgência da ANP em proceder de forma sistemática o afastamento da sociedade civil em atos que, em tese, deveriam ser públicos. Nos causa estranheza esse esforço, carregado de mentiras e descumprimento de ordens judiciais – tratando questões públicas como se fossem privadas, cheias de interesses particulares”, questiona Araújo. 

Não obstante, o episódio se repetiu em 2018, no dia 28 de setembro, data em que foi realizada a 5ª Rodada. Os representantes da sociedade civil, novamente munidos de autorização judicial, foram impedidos de ingressar ao auditório do hotel Grand Hyatt, no Rio de Janeiro (RJ), pois a ANP entrou com um Mandado de Segurança cassando o comando anterior. 

Como forma de justificar a repetição do ato, a ANP informou que só haviam 70 lugares no evento. Ao verificar a quantidade de locais disponíveis no auditório do hotel, o número fornecido pelo estabelecimento é de 600 lugares, e contava com diversos assentos desocupados no momento do leilão. 

Além disso, Bueno aponta que a ANP mencionou ter aberto diversas vagas para cadastramento da sociedade civil e que elas haviam sido ocupadas. “Com essa história, eles cometeram mais um grande erro ao mentir: conferimos a relação das pessoas que supostamente ocupavam os lugares da sociedade civil e encontramos apenas representantes das empresas participantes do leilão”, conta. “Onde estão os representantes dos indígenas? Os ambientalistas? Os pescadores artesanais? Essas pessoas precisam de espaço e de voz, mas simplesmente são barradas de seus direitos”, afirma Bueno. 

De acordo com informações recebidas pelas instituições consultadas, o recurso de embargos de declaração – pedido de explicação que é expedido ao juiz a respeito de decisões do judiciário – segue sem resposta até a data de hoje. A sociedade civil continua esperando uma explicação para as atitudes sistemáticas tomadas, visto que elas desqualificam as medidas aplicadas durante as últimas Rodadas de Licitações de Blocos de Petróleo, Gás e Pré-sal da ANP.

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Paulinne Giffhorn | [email protected]