Começou nesta segunda-feira (19) uma jornada de nove dias em defesa da Lei Nacional de Proteção dos Glaciares. Onze pessoas, entre sete cicloativistas e quatro da equipe de apoio, todos membros da Assembleia Jáchal No Se Toca, percorrerão um total de 1.400 quilômetros, passando por dez cidades. O objetivo é coletar assinaturas de moradores locais contra a alteração da única norma que protege as enormes paredes de gelo na Patagônia Argentina, e para pedir a sua efetiva implementação. A manifestação teve início no município de Jáchal, Província de San Juan, e chegará até a Casa Rosada, sede do governo, em Buenos Aires, no dia 27.
Sob o lema “Na Lei de Glaciares não se mexe”, a bicicletada teve como ponto de partida a cidade de Jáchal, com aproximadamente 10 mil habitantes, severamente afetada por derramamentos de cianeto da mina de Veladero, operada pela empresa transnacional Barrick. Os ativistas farão trechos de 150 a 200 km, passando por cidades como Serrezuela, Cosquín, Córdoba, Bell Ville, Rosario, San Nicolás e San Andrés de Giles, além da capital federal. O tamanho do percurso equivale à distância que a água das geleiras dos Andes atravessa até chegar ao Oceano Atlântico, nutrindo e levando vida por onde passam.
“Nos parece uma vergonha que tenhamos que fazer uma bicicletada para cobrar a implementação de uma lei que está vigente desde 2010, mas é nossa única chance de defender os glaciares, locais sagrados de onde nos chega o bem mais precioso: a água.”, afirmou Saul Zeballos, representante da Assembleia Jáchal No Se Toca. Segundo ele, até hoje não foi realizado pelo governo federal o inventário dos glaciares que estão sob proteção, deixando de fora corpos menores do que 1 hectare. Dessa forma, a lei não é respeitada em toda a sua plenitude.”
Em novembro passado, o presidente Mauricio Macri, em reunião com representantes da Câmara Argentina de Empresários da Mineração, se comprometeu a reformar a lei, flexibilizando-a de forma a permitir o desenvolvimento de atividades minerárias em áreas onde hoje são proibidas. “Não iremos permitir isso! As geleiras constituem uma reserva vital e fonte de água doce, um bem comum ao qual todos nós temos um direito. Além de atender aos mais poderosos, eles têm que escutar as populações que são as mais afetadas por essas medidas. Pedimos uma audiência com o presidente assim que chegarmos à Casa Rosada, mas ainda estamos esperando a confirmação”, completou Zeballos.
A Lei de Glaciares foi aprovada em 2010 e constitui um marco fundamental na proteção dos recursos hídricos do país e na defesa do ecossistema da cordilheira dos Andes, ameaçado pelo progresso da mega mineração. Sua sanção foi um triunfo da luta socioambiental realizada por diferentes Assembleias Cidadãs, ONGs e setores acadêmicos.
De acordo com o advogado da Assembleia, Enrique Viale, um dos pontos-chave da lei é o artigo 2, que delimita o ambiente periglacial, protegendo essas zonas, fundamentais no ciclo de produção de água doce, da operação de operações minerárias. “O cumprimento desta lei impediu o estabelecimento de empreendimentos de mega-mineração e o uso indiscriminado dos recursos hídricos, que retirava milhões de litros de água por dia para executar as atividades extrativistas. Em escala nacional, pode-se estimar que a lei protege apenas cerca de 1% do território argentino”, ressaltou Viale.
O advogado comentou ainda que, desde a sua aprovação, a lei foi constantemente dificultada, impedindo sua aplicação completa e efetiva, o que permitiu a ocorrência de pelo menos três derramamentos de cianeto da mina de Veladero, que contaminaram cinco rios na região. “A demanda pela flexibilização da lei tem como pano de fundo os mais de 40 projetos de mineração em grande escala, que gerará impactos ambientais sérios e irreversíveis às bacias hidrográficas, trazendo danos irreparáveis para a vida das pessoas.”
Para Juan Pablo Olsson, coordenador das campanhas climáticas da 350.org Argentina, a iniciativa é uma demonstração fundamental de cidadania. “Nós da 350.org América Latina estamos convencidos de que apoiar e acompanhar esta heróica bicicletada é de vital importância. Somamos nossas forças a este esforço, junto a diversas outras organizações ambientais, sociais, políticas, culturais e religiosas, nesta grande luta que o povo de Jáchal vem levando adiante em defesa da água e da vida, para todos os cidadãos do país e para as futuras gerações. A mensagem ao Presidente Macri, ao Ministro de Meio Ambiente Sergio Bregman e aos interesses das corporações do setor minerário é clara: ‘Na Lei de Glaciares Nao Se Toca!'”
No próximo dia 27, os ciclistas serão recebidos por cantores, artistas e ativistas de todos os tipos, além de membros de organizações sociais e políticas envolvidas na defesa do meio ambiente e dos recursos naturais argentinos.