Consultor Paulo Lima fala sob isenção tributária do setor petroleiro

Foto: Divulgação

O engenheiro mecânico Paulo César Ribeiro Lima, que atuou por muitos anos como consultor legislativo na área de recursos minerais no Congresso Nacional, faz um alerta sobre as isenções tributárias concedidas a empresas privadas principalmente estrangeiras no setor de petróleo e gás natural no Brasil, pela Lei 13.586/2017 decorrente da Medida Provisória (MP 795/2017) . Segundo ele, é um paradoxo de desenvolvimento, já que incentiva a indústria fóssil x energia limpa, em uma conjuntura de aumento de exploração de novos blocos no país.

O dispositivo legal determina, em seus principais trechos, o seguinte:

“Para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), poderão ser integralmente deduzidas as importâncias aplicadas, em cada período de apuração, nas atividades de exploração e de produção de jazidas de petróleo e de gás natural…” e complementa: “A despesa de exaustão decorrente de ativo formado mediante gastos aplicados nas atividades de desenvolvimento para viabilizar a produção de campo de petróleo ou de gás natural é dedutível na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL…”.

Lima também analisa, nesta conjuntura, como ficam os possíveis impactos nos recursos que são destinados ao Fundo Social do Pré-Sal, existente desde 2010, que fica atualmente sob gestão da União, e deve contribuir especialmente para as áreas de saúde e educação. O consultor ainda expõe sua avaliação sobre os bônus bilionários oferecidos pelas empresas nos processos licitatórios, neste contexto de isenção tributária. 

O que é o pré-sal?

É uma camada com petróleo e gás localizada em aproximadamente 800 quilômetros de extensão e 200 quilômetros de largura, desde o litoral do Espírito Santo até o de Santa Catarina, e pode chegar a mais de 7 mil metros de profundidade em relação à superfície do mar.
Fonte: ANP

O que são royalties?

São uma compensação financeira devida pelas empresas à união, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios beneficiários em fundação da produção de petróleo e gás natural. Quem calcula os valores é a ANP e estes recursos seguem primeiro para a Secretaria do Tesouro Nacional, antes de serem distribuídos.
Fonte: ANP

Segue a entrevista concedida à 350.org Brasil:

350.org Brasil – Qual é a sua avaliação sobre a Lei 13.586/2017?

Paulo César Ribeiro Lima – Foi um regime tributário introduzido no Brasil, que concede benefícios fiscais para empresas petrolíferas e de gás natural estrangeiras de valores pagos a título de royalties pelo petróleo do Pré-Sal. É preciso destacar que o artigo primeiro já estabelece que poderão ser deduzidos da base de cálculo de imposto de renda da pessoa jurídica e da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) as importâncias aplicadas nas atividades de exploração e produção. A palavra ‘poderão’ é facultativo e para mim não faz sentido no contexto do imposto de renda e frisar integralmente deduzidas, ou seja, tudo. Já ‘importâncias aplicadas’ é um termo muito genérico. Com essa redação, as possibilidades de dedução são enormes. Depois há parágrafos em que há restrições em etapas de desenvolvimento da produção, mas nada que impeça deduções gigantescas. Esta lei é um escândalo e tem consequências importantes para arrecadação de tributos no Brasil e também incentiva o consumo de combustíveis fósseis, ao não tributar esta atividade, acarretando consequências ambientais muito sérias à população.

350.org Brasil – Hoje existe um cenário com uma série de leilões para cessões de exploração de novos blocos de petróleo no Brasil. O que pode ocorrer, em sua avaliação, neste contexto em que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) estima que sejam instaladas na casa de 60 novas plataformas nos próximos anos no litoral brasileiro?

Paulo César Ribeiro Lima – Em 2018, o que observamos em termos de perdas de arrecadação, foi algo gritante. As empresas petrolíferas, em especial, as privadas estrangeiras, praticamente não estão pagando imposto de renda.  Nos principais campos de exploração, a arrecadação anual é altíssima, na casa de bilhões de receita líquida. Isso demonstra que a Lei 13.586/2017 interfere nesta falta de arrecadação. Se a gente imaginar que essas empresas não vão pagar ou podem não pagar os impostos nos próximos 35 anos, estamos falando de um valor na casa de R$ 1,8 trilhão. Agora, teremos na próxima semana duas licitações realizadas pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), o leilão dos excedentes da cessão onerosa, sendo ofertados blocos na Bacia de Santos e outro, que é a 6ª rodada de Partilha, referente a outras bacias. Estes editais estabelecem que 80% do valor da produção podem ser apropriados pelo contratado. Sobram hipoteticamente 20% para dividir com a União. Mas tem um detalhe, é bem menos, pois 15% vão para a União e principalmente para municípios e estado do Rio de Janeiro. O restante de 5% terá uma parcela que vai para o Fundo Social. Isso quer dizer que nestes 5%, cerca de 24% disso serão voltados para áreas como educação e saúde. 

350.org Brasil – Isto quer dizer que o Fundo Social acaba perdendo recursos nesta lógica tributária? 

Paulo César Ribeiro Lima – As licitações deveriam ser feitas com o propósito de beneficiar este fundo. Nossos problemas de educação e saúde são agora. Temos muitos problemas quanto à creche e escola básica. E provavelmente haverá uma janela de anos para haver algum tipo de arrecadação de recursos para o Fundo Social. Ainda tem um agravante que os royalties que a União e o Estado do Rio de Janeiro recebem também são deduzidos no imposto de renda. Com isso, diminui o fundo de participações de estados e municípios, que seria um instrumento de o Pré-Sal gerar recursos aos cofres públicos, em especial, a estados mais pobres, como no Nordeste. 

350.org Brasil – Nesta conjuntura, os bônus de assinatura bilionários dos contratos de concessão que resultam destas licitações são realmente vantajosos para o país?

Paulo César Ribeiro Lima – O governo colocou um parâmetro de bônus de assinatura alto. Isso quer dizer que coloca como critério que vai assinar um contrato com as empresas e/ou consórcios de empresas. No dia, elas apresentam um valor x calculado em dólares como oferta. Em um primeiro momento, dá um alívio de caixa imediato à União e reduz o déficit fiscal, mas com as deduções tributárias, estas quantias serão diluídas. Os valores líquidos serão baixíssimos. Então, esse bônus se torna uma grande ilusão. A Noruega, por exemplo, não utiliza este bônus de assinatura e só tem a receita corrente. Com isso, não há perigo de não ter receita futura, porque os recursos entram anualmente.

*as opiniões e avaliações constantes na entrevista são de responsabilidade do entrevistado

Sobre a 350.org Brasil e a causa climática

A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas.

Desde o início, trabalha questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis junto às comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa das comunidades afetadas por meio da campanha Defensores do Clima. Mais uma vertente das iniciativas apoiadas pela 350.org é da conjugação entre Fé, Paz e Clima.

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Sucena Shkrada Resk – jornalista ambiental, especialista em política internacional, e meio ambiente e sociedade, é digital organizer da 350.org Brasil

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