Por Peri Dias

Destaque frequente nos rankings mundiais de violência contra líderes comunitários, a América Latina acaba de ganhar uma ferramenta importante para a proteção dessas pessoas e dos direitos ambientais de toda a população, o Acordo de Escazú

Primeiro tratado do mundo a prever medidas para a proteção dos defensores do meio ambiente e dos direitos humanos, o acordo entrou em vigor em 12 países da América Latina e do Caribe, em 22 de abril, Dia da Terra, como resultado de anos de campanha dos movimentos sociais da região.

Países como Argentina, Bolívia e México, que, um a um, ratificaram o acordo, em uma longa rodada de votações nos parlamentos nacionais, comprometeram-se a reconhecer e a trabalhar pela efetivação dos direitos a informação, participação e acesso à justiça em temas ambientais.

Celebración de la Entrada en vigor del Acuerdo de Escazú, a cargo de CEPAL.

Celebração da entrada em vigor do Acordo de Escazú, pela CEPAL.

Porém, para mudar o cenário regional na escala necessária, o Acordo de Escazú precisa ser expandido para outros países latino-americanos, inclusive o Brasil, e traduzido em ações e mecanismos que o coloquem em prática. 

Nessa nova fase do tratado, a contribuição das organizações da sociedade civil passa a ser ainda mais importante. Por isso, a 350.org já começou a fazer sua parte para apoiar a implementação do acordo e sua ratificação nas casas legislativas onde o tema está sendo discutido.

Para você entender melhor esse assunto, resumimos a seguir o que é o tratado, o que a 350.org já fez pela sua entrada em vigor e como esperamos ajudar a tornar sua implementação uma realidade. Confira!

 

O que é o Acordo de Escazú?

 

Objetivo

O Acordo de Escazú consiste em um tratado regional entre países da América Latina e do Caribe, com o objetivo de garantir o direito de todas as pessoas nesses países a:

  1. Ter acesso a informação sobre meio ambiente de maneira oportuna e adequada
  2. Participar de forma significativa nas decisões que afetam suas vidas e seu ambiente
  3. Ter acesso à justiça quando estes direitos forem violados

 

Relevância

Esse acordo é importante porque oficializa o reconhecimento desses direitos por parte dos países que o ratificam, ou seja, que aprovam que o tratado tenha efeito vinculante (obrigatório) em seu território.

Só isso já seria um avanço, uma vez que o reconhecimento de direitos e princípios serve de base para a formulação de leis, políticas públicas e, muitas vezes, decisões judiciais.

 

Porém, o Acordo de Escazú vai além: prevê explicitamente medidas para facilitar o exercício dos direitos mencionados e estabelece mecanismos para efetivá-los. 

Por exemplo, o Artigo 6, que trata da geração e divulgação de informação ambiental define que as autoridades de cada país devem garantir a existência de um ou mais sistemas de informação ambiental, que essas informações devem estar disponíveis em formatos acessíveis e, quando cabível, traduzidas para os idiomas das comunidades indígenas afetadas.

Já no Artigo 7, relacionado à participação pública nos processos de tomada de decisões ambientais, o texto do Acordo especifica que tipo de informações os governos devem divulgar a respeito de processos de autorizações ambientais. 

Dessa forma, torna mais provável que as comunidades potencialmente afetadas por um determinado projeto de fato possam entender o que está em jogo e, assim, consigam se pronunciar efetivamente em espaços de consulta.

No que se refere às providências para o acesso da população à justiça em questões ambientais, o Artigo 8 lista, entre outros pontos, que “cada parte contará com medidas para facilitar a produção da prova do dano ambiental, conforme o caso e se for aplicável, como a inversão do ônus da prova e a carga dinâmica da prova”. 

Para cada um dos três objetivos do acordo fica definido, portanto, um conjunto de valores e conceitos a serem respeitados, bem como de ações concretas a serem tomadas pelos Estados que ratificam o tratado.

 

Ineditismo

Além de a construção do Acordo de Escazú ter contado com a participação efetiva de parcelas expressivas da sociedade civil, o que nem sempre é verdadeiro para os tratados internacionais, outro elemento de ineditismo do tratado foi a inclusão de provisões específicas para a defesa dos líderes comunitários.

Como questiona a frase de efeito usada por alguns movimentos sociais: “Quem defende os defensores dos grupos mais vulneráveis?”. A resposta, em muitos casos, infelizmente é “ninguém”. Na América Latina, os Estados precisam fazer muito mais para evitar que conflitos motivados por questões como disputas por terras e invasões de territórios indígenas sigam resultando em violência.

Segundo o relatório Análise Global, divulgado em fevereiro de 2021 pela ONG Frontline Defenders (FLD), três em cada quatro mortes de defensores humanos registradas no mundo inteiro, em 2020, ocorreram na América Latina.

Créditos: Análisis Global / Frontline Defenders

Crédito: Análise Global / Frontline Defenders

Só na Colômbia, pais que encabeça o vergonhoso ranking global de assassinatos de defensores, foram 177 mortes, número maior do que a soma de todos os outros 24 países incluídos no relatório. No “top 10” do ranking ainda constam Honduras (3º lugar, com 20 mortes), México (4º lugar, com 19 mortes), Brasil (6º lugar, com 16 mortes), Guatemala (7º lugar, com 15 mortes) e Peru (9º lugar, com oito mortes).

 

Que diferença esse tratado faz?

Olhando para esses números, não é difícil entender por que os movimentos sociais de toda a região estão comemorando a entrada em vigor do primeiro tratado do mundo a incluir um compromisso específico com a proteção dos defensores.

Esse compromisso encontra-se no Artigo 9, que determina o seguinte: “Cada Parte tomará medidas apropriadas, efetivas e oportunas para prevenir, investigar e punir ataques, ameaças ou intimidações que os defensores dos direitos humanos em questões ambientais possam sofrer no exercício dos direitos contemplados no presente Acordo”.

Ou seja, o texto do acordo de fato traz a esperança de dias melhores, ao criar uma base legal e um compromisso internacional mais sólidos para a defesa dos defensores.

Agora, a simples ratificação desse texto em cada Congresso garante que a situação dos defensores vai melhorar? Não. É evidente que precisamos de ações complementares e vontade política para a implementação das medidas previstas.

Na parte 2 deste blog, saiba mais sobre como a 350.org colaborou e seguirá colaborando para que o Acordo de Escazú saia do papel.

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Peri Dias é Gerente de Comunicação da 350.org América Latina
Crédito de foto: Amnnesty International

 

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