O investimento em energias limpas e renováveis no país é muito inferior ao aplicado em combustíveis fósseis, apesar da mobilização mundial para uma economia de baixo carbono. Essa situação tende a piorar, segundo analistas, devido à proposta de ajuste regulatório para mini e microgeração distribuída de energia apresentada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), neste mês.
Nesta modalidade, em vigor desde 2012, os consumidores também podem gerar a própria energia elétrica em suas residências, geralmente por meio de painéis solares ou outra solução com fontes renováveis. O documento está em consulta pública 025 e foi prorrogada até 30 de dezembro e uma audiência pública (nº 40) a respeito está programada para 7 de novembro, na sede da Aneel, em Brasília. Momento em que os interessados poderão opinar presencialmente a respeito da pauta.
Veja o que está em jogo:
A medida propõe alteração à Resolução Normativa nº 482/2012 e prevê as seguintes alterações:
– Na regra atual, quando a compensação de energia se dá na baixa tensão, quem possui geração distribuída (GD) deixa de pagar todas as componentes da tarifa de fornecimento sobre a parcela de energia consumida que é compensada pela energia injetada.
– As alterações ao sistema de compensação propostas definem que os custos referentes ao uso da rede de distribuição e os encargos sejam pagos pelos consumidores que possuem geração distribuída. A justificativa da Aneel é que isso vai permitir que a modalidade se desenvolva ainda mais e de forma sustentável, sem impactar a tarifa de energia dos consumidores que não possuem o sistema.– Existe uma regra de transição: os consumidores que possuem o sistema de mini e microgeração permanecem com o faturamento da regra em vigor até o ano de 2030. Já os consumidores que realizarem o pedido da instalação de geração distribuída após a publicação da norma (prevista para 2020), passam a pagar o custo da rede (TUSD Fio B e Fio A*). Em 2030, ou quando atingido uma quantidade de GD pré-determinada em cada distribuidora, esses consumidores passam a compensar a componente de energia da Tarifa de Energia (TE), e pagam além dos custos de rede, os encargos.
-Entre outras.obs: Na microgeração de energia solar o sistema fotovoltaico tem uma potência de até 75kW e na Minigeração, uma potência entre 76 e 5MW.
Fonte: ANEEL
A Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) critica a proposta. Um dos principais argumentos é que a mudança causará retrocesso no setor e reduzirá em mais de 60% a economia promovida por pequenos projetos de geração distribuída. Essa situação poderá inviabilizar esta modalidade no país, segundo a entidade.
“A Aneel desconsiderou diversos benefícios da geração distribuída solar fotovoltaica aos consumidores e à sociedade brasileira, no setor elétrico, na economia e ao meio ambiente, dentre eles a postergação de investimentos em transmissão e distribuição de eletricidade, o alívio nas redes pelo efeito vizinhança, a geração de empregos, a diversificação da matriz elétrica e a redução de emissões de gases de efeito estufa e poluentes, entre diversos outros”, afirma Rodrigo Sauaia, CEO da Absolar.
Levantamento da Absolar apresenta uma estimativa de que a tecnologia recebeu até agora a cifra de R$ 6,5 bilhões, desde 2012. Até o ano de 2029, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) prevê que a GD deve atingir 11,4 gigawatts instalados. Isso representa R$ 50 bilhões, sendo cerca de 90% dos sistemas serão solares.
A Secretaria de Desenvolvimento da Infraestrutura (SDI), do Ministério da Economia, em defesa da proposta da Aneel, argumenta que os subsídios atuais, como incentivos à mini e microgeração distribuída, somam R$ 34 bilhões até 2035. O valor seria suficiente para construir 9 mil creches e pré-escolas. Sendo assim, a proposta reduziria os encargos que o cidadão comum pagaria e que seriam transferidos a um grupo de interesse que luta para manter subsídios. Isso aconteceria ao atingir a potência de 4,7 GW. A partir desse ponto, os novos ingressantes passam a pagar por todas as parcelas da tarifa pela energia consumida da rede.
Juliano Bueno de Araújo, diretor de campanhas da 350.org América Latina e fundador da Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida (COESUS), alerta sobre o comprometimento que a proposta da Aneel pode resultar no direito dos cidadãos de gerarem sua própria energia elétrica.
“Termos microgeração distribuída garante segurança energética, gera mais empregos e oportunidades em todos estados do Brasil, garante autonomia e redução das emissões fósseis. Esta proposta da ANEEL só atende os interesses de grandes geradores e da manutenção de grandes projetos que criam ambiente para distorções e corrupção, impedindo a “liberdade” da população, de pequenos negócios, condomínios, sítios e fazendas em gerar sua própria energia! Isso inibe o que o povo quer e precisa”, avalia Araújo.
Deputados federais, no Congresso Nacional, debateram esta proposta em plenário, no último dia 22. Alguns teceram críticas à medida, que penalizaria a sociedade, especialmente pequenos agricultores e empreendedores e questionaram por que o Governo Federal não realiza maior investimento em parques solares. A pauta também chegou ao Senado.
Os interessados em participar da consulta pública deverão encaminhar até 30 de novembro, contribuições ao e-mail [email protected] ou por correspondência para o endereço da Agência: SGAN, Quadra 603, Módulo I, Térreo, Protocolo Geral, CEP: 70830-100), em Brasília-DF.
Sobre a 350.org Brasil e a causa climática
A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas.
Desde o início, trabalha questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis junto às comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa das comunidades afetadas por meio da campanha Defensores do Clima. Mais uma vertente das iniciativas apoiadas pela 350.org é da conjugação entre Fé, Paz e Clima.
Sucena Shkrada Resk – jornalista ambiental, especialista em política internacional, e meio ambiente e sociedade, é digital organizer da 350.org Brasil
* Atualização em 21/11/2019
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