A eletromobilidade tem sido pauta de inúmeros debates. Entre os mais recentes, está a audiência pública realizada pela Comissão de Meio Ambiente do Senado, nesta semana, que teve a participação de representantes do governo e do setor automotivo com o intuito de estabelecer um marco legal para o segmento, que seja gradual a modelos elétricos e híbridos.

No contexto brasileiro, um dos principais incentivos a esta implementação hoje é o Projeto de Lei do Senado PLS 454/2017, de autoria do senador Telmário Mota (PTB/RR), que determina a proibição da comercialização de veículos novos movidos a combustíveis fósseis a partir do ano de 2060, mas permite que continuem a ser comercializados veículos abastecidos exclusivamente com biocombustíveis. A proposta altera a Lei 8.723, de 1993, que trata da redução das emissões de poluentes por veículos automotores.

Veículos elétricos se expandem no mundo

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O projeto teve o parecer favorável da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e está sob análise da CMA. Segundo Ricardo Guggisberg, presidente da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (Abve), a proposta é menos ambiciosa do que já tem sido adotado em outros países. Entre os desafios de expansão, segundo ele, está a necessidade de ampliação da autonomia das baterias, os custos gerais de produção e retaguarda de infraestrutura para a rede de abastecimento em escala.

Nesta mesma linha, Maurício Siqueira Franco, presidente da Associação Brasileira de Fabricantes e Importadores de Ciclomotores e Similares (Abrafics), reforçou que a meta de descarbonização está sendo implementada gradativamente em grandes cidades mundiais e no Brasil. Uma das maiores dificuldades ainda é a de ordem burocrática, com relação à aquisição de documentação e o licenciamento de veículos como scooters e bicicletas elétricas.

Rota 2030

No ano passado entrou em vigor o programa Rota 2030, um conjunto de diretrizes do governo federal para a indústria automobilística na próxima década. Paulo Alvim, secretário de Empreendedorismo e Inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia, expôs que já estabelece o incentivo a elétricos e híbridos, ao etanol e aos carros flex.

Para José Mauro Coelho, diretor de Estudos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, a mudança para um modelo de baixo carbono é mais do que uma opção política, é uma necessidade, devido às mudanças climáticas, aos avanços tecnológicos, como também da incerteza nos preços do petróleo, além das tensões geopolíticas e a conscientização social com a questão ambiental. O investimento em elétricos e híbridos, em sua avaliação, deve crescer principalmente em serviços de entregas e aplicativos de compartilhamento e no serviço público.

Diferentes cenários

O engenheiro químico Alexandre Szklo, professor associado do Programa de Planejamento Energético do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ouvido pela 350.org Brasil, explica que é preciso compreender que a eletricidade tem de ser gerada por uma fonte e este é um elemento que não pode ser descartado na relação de custo-benefício, apesar de o motor elétrico não emitir poluentes.

“Caso esta fonte seja por termoelétricas à carvão, por exemplo, a vantagem da não emissão de gases de efeito estufa (GEEs) pode ser parcialmente ou integralmente prejudicada”, alerta. Essa análise também deve incorporar outros aspectos, segundo ele, como a eficiência da usina e da combustão interna do veículo. Ele explica que o veículo elétrico tem como aspecto positivo o fato de recuperar energia.

Quando a fonte de produção de energia é uma hidrelétrica, Szklo esclarece que as emissões ocorrem no processo de geração no reservatório, que é mais pontual e menor do que as termoelétricas.

Já o impacto das emissões dos veículos se dá principalmente no momento no qualA  ocorre o consumo. “Se as pessoas passarem a abastecer os veículos elétricos à noite, provavelmente vai ter um peso na ponta do sistema elétrico, que deverá ser abastecida por termoelétrica”, exemplifica.

Szklo destaca que ao se pensar em eletrificação é preciso se estender a um escopo mais amplo de mobilidade urbana, não só a veículos de passeios. “Hoje existe um avanço na eletrificação de ônibus em países da América do Sul. O custo da passagem tende a cair em relação aos movidos a combustível fóssil. Mais um ponto favorável é que o ônibus pode ser abastecido por energia em horários disciplinados”. Iniciativas também estão ocorrendo na fabricação de caminhões elétricos, segundo o pesquisador. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o Chile apresenta a maior frota de ônibus elétricos da América Latina e do Caribe. São 200 veículos que circulam na capital, Santiago.

Contexto mundial

Atualmente circulam pelo mundo cerca de 1,2 milhão de veículos elétricos. Em números absolutos, a China está na frente, com cerca de 500 mil, seguido pelos EUA. “Já percentualmente a frota ainda é baixa, entorno respectivamente de 2% e 3% no total dos dois países. Os maiores avanços percentuais acontecem na Europa, em países como Finlândia, que tem a meta de eletrificar em 100% sua frota”, diz Szklo.

Segundo Szklo, existe uma mobilização por parte de cidades, estados, países e da indústria para a eletrificação automotiva em diferentes escalas.  “No caso da França, por exemplo, pretende eletrificar sua frota até 2025. Beijin vai restringir o emplacamento em 2020 só para veículos elétricos. O grande desafio, de maneira geral, ainda é quanto à autonomia da bateria, como também pelo fato de o sistema logístico ainda não estar adequado à eletrificação”, diz o pesquisador da COPPE/UFRJ. Geralmente a bateria de íon-lítio tem uma autonomia de cinco a oito anos. “Mas pode ter mais cinco de geração de energia estacionária”, informa.

O professor explica que o que se observa por meio de sistemas de modelagem é que existe a tendência de um crescimento mais acelerado da eletrificação automotiva até 2050, no Sudeste Asiático e na Europa Ocidental e com menos propulsão na América do Sul.

Sobre a 350.org Brasil e a causa climática

A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas.

Desde o início, trabalha questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis junto às comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa das comunidades afetadas por meio da campanha Defensores do Clima. Mais uma vertente das iniciativas apoiadas pela 350.org é da conjugação entre Fé, Paz e Clima.

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Sucena Shkrada Resk – jornalista ambiental, especialista em política internacional, e meio ambiente e sociedade, é digital organizer da 350.org Brasil

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