Na semana seguinte ao lançamento de um relatório alarmante do painel de cientistas do clima da ONU, o IPCC, sobre a urgência de uma transição energética global, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizará um novo leilão para concessão de blocos de petróleo e gás a empresas do setor. A iniciativa vai na direção oposta aos apelos dos maiores estudiosos do assunto e do próprio secretário-geral da ONU, António Guterres, por uma redução drástica e imediata dos combustíveis fósseis em todo o planeta.
Previsto para esta quarta-feira, 13 de abril, o 3º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão (OPC), oferecerá 14 setores de blocos exploratórios de sete bacias: Santos, Pelotas, Espírito Santo, Recôncavo, Potiguar, Sergipe-Alagoas e Tucano.
Ao encorajar a extração nesses blocos, o governo brasileiro trava, por ao menos uma década, a possibilidade de o Brasil contribuir tão efetivamente quanto poderia para os esforços de redução das emissões globais, uma vez que as áreas ofertadas só se tornam produtivas alguns anos após o leilão.
O relatório do IPCC, divulgado em 04 de abril, foi taxativo ao afirmar que, se a humanidade não começar a diminuir a produção de gases do efeito estufa até 2025, praticamente perderá a chance de garantir o cenário menos grave da crise climática, aquele em que a temperatura média do planeta fica apenas 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais. Os cientistas também estimaram que, até 2050, o uso de petróleo e gás precisa cair 60% e 45%, respectivamente.
“Poucas vezes, o contraste entre o que o governo brasileiro deve fazer na área climática e o que efetivamente está fazendo foi tão gritante. O aviso de perigo está piscando bem na nossa frente, em letras garrafais vermelhas, e o Brasil não só está ignorando esse alerta como segue acelerando na direção contrária”, diz Ilan Zugman, diretor da 350.org na América Latina.
A rodada de 13 de abril marca também uma tentativa da ANP de transferir o risco socioambiental da extração de petróleo e gás para trechos da região Nordeste do Brasil. Após sucessivos fiascos em leilões que ofereciam áreas na Amazônia e próximas a Fernando de Noronha, a agência oferecerá 325 blocos onshore e offshore localizados em estados da região, 85% do total de blocos disponíveis nesta rodada.
O leilão demonstra o desrespeito da ANP aos direitos das comunidades tradicionais nordestinas, segundo Maria José Bezerra dos Santos (Deca), pescadora e presidente da Associação Quilombola Dom José Brandão de Castro, em Brejo Grande (SE). No município, a ExxonMobil está tentando, sem a devida consulta às populações potencialmente afetadas, licenciar 11 poços exploratórios adquiridos em rodadas anteriores de leilões da ANP.
“Nossas comunidades são carentes de diversos serviços públicos, mas ao invés de investir na melhoria das nossas condições de vida e em geração de renda, o governo expande o petróleo e o gás em áreas próximas aos nossos territórios e agrava os riscos socioambientais a que estamos expostos”, afirma Maria José Bezerra dos Santos.
Representantes de comunidades pesqueiras e quilombolas de Sergipe e do Rio de Janeiro realizarão um protesto em frente ao hotel onde o leilão da ANP será realizado, em 13 de abril, no Rio de Janeiro. A 350.org enviará em breve mais informações aos jornalistas sobre a mobilização.