Por Nathália Clark

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Durante leilão da ANP em outubro de 2015, lideranças indígenas protestaram, juntamente com representantes da Coalizão Não Fracking Brasil, contra a decisão do governo federal de explorar gás de xisto pelo método não convencional (Foto: 350.org Brasil/COESUS).

 

Após pressão de movimentos e organizações da sociedade civil, além de intensa mobilização de populações tradicionais da região, a Justiça Federal de Cruzeiro do Sul, no Acre, acatou novamente, na última semana, os pedidos do Ministério Público Federal para suspender todas as atividades do processo de licitação referentes ao lote AC-T-8, que abrange áreas na região do Vale do Juruá, localizado entre os estados do Acre e Amazonas. A decisão, emitida em caráter liminar, suspende a concessão de contratos para exploração e produção de petróleo e gás natural por métodos convencionais ou não convencionais.

A ação civil pública foi ajuizada pelo procurador da República Thiago Pinheiro Corrêa contra a União, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e a Petrobras. Segundo os argumentos apresentados pelo Ministério Público Federal (MPF), a licitação promovida pela ANP continha graves ilegalidades, tanto do ponto de vista ambiental quanto social.

A decisão alega que, do ponto de vista social, “não foi levado em conta o imenso impacto causado pela atividade de exploração e produção na região, povoada por comunidades indígenas e tradicionais e que, segundo a Constituição Federal e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, deveriam ter sido previamente consultados sobre o tema”.

Além disso, o Procurador entende que “existem outros diversos vícios no empreendimento, como a controvérsia sobre a exploração de gás de folhelho (popularmente conhecido como gás de xisto), cuja técnica de exploração (fracking) pode provocar danos irreversíveis como a contaminação da água e do ar, além da fragilização do solo, que pode levar até à ocorrência de abalos sísmicos na região.”

Campanha gera resultados concretos

A determinação da Justiça é resultado direto da campanha Não Fracking Brasil, realizada pela COESUS – Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida – sob a coordenação da 350.org Brasil e América Latina, e Fundação Cooperlivre Arayara, reunindo grupos voluntários que atuam em diferentes estados do país.

Desde 2013, a campanha vem realizando ações na região do Vale do Juruá, como audiências públicas em Cruzeiro do Sul, palestras em Rio Branco, reuniões com dezenas de lideranças indígenas nas aldeias a serem impactadas pela atividade e com diversos segmentos da sociedade civil, além de forte articulação junto ao MPF do Acre. Nos estados do Paraná, Amazonas e Acre, a campanha também recebe o apoio do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

“A iniciativa do MPF do Acre representa uma importante vitória para a nossa campanha contra a entrada do fracking no Brasil. Nosso objetivo é evitar que os atos lesivos da ANP contra o povo brasileiro tenham continuidade impunemente. Não queremos uma atividade que coloca em risco as nossas reservas de água, nossa agricultura e nossa rica diversidade cultural, como o fraturamento hidráulico”, defende Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora da350.org Brasil e América Latina.

Riscos do fracking

O fracking é uma técnica não convencional para extrair gás do folhelho de xisto. Para capturar o gás é feita uma perfuração horizontal de até 5 km no subsolo, por onde se injeta, sob forte pressão, milhões de litros cúbicos de água misturados com areia e mais de 600 solventes químicos, que promovem a “fratura” ou o rompimento da rocha através de explosões, que liberam o gás. Porém, cerca de 40% deste material, chamado “fluido hidráulico”, retorna à superfície, enquanto o resto deste material permanece no subsolo, próximo às fontes de água.

O método para extração de gás inviabiliza a atividade agrícola e agropecuária pela contaminação da água, solo e ar, além de causar doenças como câncer e outros prejuízos à saúde humana e animal. Além dos impactos ambientais, econômicos e sociais, a técnica do fraturamento hidráulico – ou fracking – intensifica as mudanças climáticas, uma vez que libera sistematicamente o metano, gás causador do efeito estufa 86 vezes mais danoso que o CO².

“Assumir internacionalmente o compromisso para conter o aquecimento global e nacionalmente incentivar atividades como o fracking é no mínimo controverso. Investir na indústria do hidrocarboneto em um momento em que o mundo tenta frear os impactos do aquecimento global é uma irresponsabilidade”, reforça Nicole.

Impactos para a região

O Vale do Juruá abriga diversas populações indígenas, que serão diretamente afetadas caso o lote AC-T-8 seja explorado (Foto: Gabriel de Angelis).

 

A região do Juruá, que faz fronteira com Bolívia e Peru, é lar de muitos povos indígenas, como os Huni Kui, Nawa, Nukini e Puyanawa, além de alguns grupos isolados. Não bastassem as ameaças que estas populações já sofrem, como a invasão de seus territórios e a extração de recursos naturais por madeireiros e garimpeiros, e conflitos recorrentes com narcotraficantes, a exploração de petróleo e gás de xisto veio piorar a situação de vulnerabilidade e descaso por parte do Estado.

“Qualquer tipo de exploração minerária na região irá impactar severamente e de forma irreversível todas as formas de vida ali presentes”, ressaltou o fundador da COESUS e coordenador de Campanhas Climáticas da 350.org Brasil, Juliano Bueno de Araujo. Como exemplo da dimensão do dano, o aquífero Içá, um dos principais mananciais subterrâneos da Amazônia, corre o risco de contaminação pelo descarte de águas carregadas com substâncias químicas utilizadas no processo do fracking, além de vazamentos de metano, sem contar o próprio volume de água a ser utilizado na atividade.

Batalha jurídica

O lote AC-T-8 foi arrematado pela Petrobras em leilão realizado pela ANP em 2013. Ele atinge o Rio Juruá, um dos principais afluentes do Rio Solimões, que forma uma bacia única que vai do Peru até o Maranhão.

Apesar do desconhecimento generalizado da população ante os riscos que a técnica do fracking pode trazer à região. Não menos impressionante é o fato de estes lotes estarem justamente em cima do Aquífero Juruá, o mais importante da Amazônia Ocidental.

Em dezembro de 2015, uma decisão da Justiça Federal de Cruzeiro do Sul já havia acatado pedido do MPF para suspender e cancelar todas as atividades decorrentes de licitação para exploração e produção de petróleo e gás de xisto no Vale do Juruá.

Além do Acre e Amazonas, mais 13 estados brasileiros podem ser impactados pela exploração minerária do gás de xisto. Nos estados do Paraná e Piauí, a Justiça suspendeu a concessão dos lotes, após intervenção do Ministério Público Federal, para priorizar a preservação do aquífero Guarani (Paraná) e da bacia do Parnaíba (Piauí).

A decisão do MPF do Acre leva em conta diversos estudos que apontam para os enormes riscos que a atividade traz, seja para os recursos hídricos, minerais, para a fauna, a flora, e também para a vida humana.

A ação determina que a Petrobras suspenda em até 10 dias todo e qualquer ato decorrente da arrematação do bloco AC-T-8 e do contrato que se refere à produção de hidrocarbonetos na Bacia Sedimentar do Acre, sejam recursos convencionais ou não convencionais, sob pena de multa diária de R$ 100 mil, sem prejuízo das demais sanções legais cabíveis.

Além disso, até que seja realizada a Avaliação Ambiental da Área Sedimentar (AAAS), prevista na portaria interministerial N° 198/2012 do Ministério de Minas e Energia, e a consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas da região a serem impactados pela atividade, nos termos da Convenção N° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Petrobras fica temporariamente proibida de realizar qualquer atividade, incluindo sobrevoos, pesquisas, vistorias in loco ou qualquer outra medida relacionada à exploração e produção de hidrocarbonetos na mesma área.

A União e a ANP também ficam temporariamente proibidas de realizar qualquer outro procedimento licitatório com finalidade de exploração ou produção de hidrocarbonetos na Bacia Sedimentar do Acre. O Ibama, por sua vez, fica proibido de licenciar qualquer tipo de atividade ligada à exploração e produção de hidrocarbonetos na região.