Estresse emocional, turnos pesados, falta de equipamentos de proteção, isolamento social ao nível máximo. Assim está a vida do enfermeiro Artur F. que trabalha num hospital da rede pública no estado de São Paulo. 

Os Conselhos Regionais de Enfermagem já registram milhares de denúncias de falta de equipamentos, o que denota um sinal grave: o sistema de saúde está entrando em colapso. 

350: Como é sair para trabalhar no Hospital?
AF: É como estar em uma montanha russa. Logo no início ficamos todos assustados, o chefe do setor chamou a todos e falou que todas as férias estavam canceladas assim como as cirurgias não emergenciais, pois a sala de cirurgia deveria ficar disponível para entubar pacientes que chegassem com a COVID-19. Ainda não tinha caído a minha ficha do quão grave seria, mas lembro que terminei meu turno em uma sexta-feira com dois pacientes já ocupando salas de cirurgia por falta e leito, ou seja, se normalmente já não temos leito suficiente, imagina no pico da crise? Quando retornei ao trabalho, já haviam dois colegas internados e quatro afastados. Foi um baque para todos, veio um medo enorme. Lembro de estar com outros dois colegas e juntos fizemos um pacto de que cuidaríamos um dos outros caso precisássemos ser internados. Ao longo da semana, o número de médicos e enfermeiros infectados foi aumentando e isso gerou um grande estresse emocional. Junto a isso, veio a falta de equipamentos de segurança, as máscaras começaram a evaporar, e tiveram que trancar no armário da diretoria, pois o desespero era tanto que os profissionais também começaram a levar para usar em casa. Quando comecei a sentir os sintomas e percebi que meu caso seria assintomático, senti um alívio e fiquei feliz em ter pego o vírus agora e não no pico, pois de certo modo, ficarei mais imune quando tiver que trabalhar mais intensivamente. E aí vêm um medo da possibilidade de pegar novamente com uma carga viral mais alta e cair doente. São altos e baixos, altos e baixos. (sic)  

350: Vocês estão com equipamentos suficientes hoje?
AF: Não estamos. Acho que esse é o grande fator de estresse, e estamos buscando entre nós alternativas para suprir a falta de fornecimento de material improvisando com máscaras feitas por nós ou por nossos parentes. Não dá para não trabalhar e também não dá para ficar sem EPI, fazemos o que é possível e nossas famílias tem nos apoiado muito. 

350: E por falar em família, como está a relação com as famílias?
AF: Difícil. Por precaução, minha esposa e meu filho se mudaram temporariamente para a casa dos meus sogros, não é o ideal, mas dada a situação, foi a melhor decisão para nós, pois meu turno é pesado e o risco de infectá-los é alto. De um certo modo, sou privilegiado, pois tem pais que não conseguem um lar isolado temporário e precisam dividir a casa evitando ficar no mesmo cômodo, essa situação é doída principalmente para as mães que têm criança pequena. 

350: Com que frequência vocês estão testando a COVID-19 nos hospitais?
AF: Até o momento não têm acontecido, e, com a falta de material, exames e profissionais, que estão sendo afastados, quem não apresenta sintoma grave, continua trabalhando, o que na minha opinião é grave, pois estamos possivelmente nos tornando transmissores do vírus. 

No meu caso, graças a Deus tive sorte e meus sintomas foram leves. Perdi o sentido do olfato, tive dor e moleza no corpo, uma febre baixa e dor de cabeça incômoda. Mas como “estava bem”, a ordem foi continuar trabalhando, minha consicência, no entanto, começou a pesar e paguei por um teste particular que deu positivo, só assim consegui o afastamento.   

350: Presenciou algum óbito de paciente com COVID-19?
AF: Ainda não, mas sei que durante esse tempo que estou afastado, houveram alguns óbitos que muito provavelmente são por COVID-19, não saíram os testes ainda. Mas a situação como um todo é muito dolorida para a família porque não há velório, não há abraço, não há despedida, é como se a pessoa evaporasse do planeta. 

350: O que você gostaria de dizer para as pessoas?
AF: Fiquem em casa! Ame sua vida e as pessoas da sua família. Cuidem dos seus pais, sejam responsáveis! O que está acontecendo é muito sério. Se não for por você, faça isso pela vida dos outros que terão que disputar um leito e um respirador na UTI.

Cuide-se:

Siga as recomendações da OMS:

  • Se puder, fique em casa;
  • Se for sair, utilize máscara;
  • Lave as mãos constantemente;
  • Se não tiver como lavar as mãos, utilize álcool gel;
  • Se for tossir ou espirrar, coloque o braço para proteger os outros.

 

*Artur F. é um nome fictício dado a um profissional que cedeu a entrevista e pediu para não ser identificado. 

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