Os deslocamentos humanos em decorrência das mudanças climáticas chamados informalmente de “processos de refúgios climáticos” já configuram um novo cenário que se constrói na América Latina. São entorno de 1,7 milhão de pessoas nesta condição na região, segundo explica a bióloga Patrícia Fernanda do Pinho, Doutora em Ecologia Humana, que integra o grupo de cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU). As motivações são mescladas com crises políticas e econômicas, que acabam se sobressaindo em análises superficiais. Um processo lento de preocupação com a vulnerabilidade humana diante dos desafios impostos pela aceleração de ocorrências de secas, estiagens, furacões, ciclones, chuvas intensas e dos mais variados eventos extremos começa a aflorar.

Assim é possível um olhar mais humanizado quanto aos efeitos das secas extremas no Chile, no Nordeste brasileiro, na Venezuela ou em relação aos eventos extremos que assolam países como o Haiti.

Efeito eventos extremos - mudanças climáticas no Haiti

Haiti é um dos países que sofre com as mudanças climáticas. Foto: ONU Meio Ambiente

No contexto da filosofia do “meio copo cheio”, trazer estas situações contemporâneas à tona introduz a esperança em mudanças no sentido da condução de governanças locais, regionais e globais atentas à gestão de riscos e à utilização do princípio da precaução mais aprofundados nas próximas décadas. O alerta está dado: os refugiados climáticos são pessoas de carne e osso, que podem estar ao nosso lado ou serem, quem sabe, nós mesmos.

“Na América Latina, por conta principalmente da crise sociopolítica e econômica na Venezuela, já existem cerca de 4 milhões de refugiados distribuídos principalmente na América do Sul. É a maior migração experenciada na região, nos últimos 100 anos, com certeza. No Brasil, vieram 74.800. As pessoas com mais conhecimento tendem a ir a cidades grandes. As populações mais vulneráveis, como povos indígenas e tradicionais, seguem para a região da Amazônia”, exemplifica Patrícia. O país também tem sofrido com períodos de secas em determinadas regiões, o que converge a estes múltiplos fatores de refúgio.

Nestes processos de deslocamentos, a pesquisadora alerta que há incidência de doenças, que estavam já extintas, como casos de malária e dengue. “Uma crise sistêmica, com demanda por alimentos e a região impactada por extremos”, diz.

Aqui no Brasil, uma pesquisa inédita do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em setembro, levantou que apenas 215 municípios, ou seja, 5% do total, têm algum tipo de apoio para imigrantes e refugiados. Esse dado revela a fragilidade de estrutura que também não é muito diferente nos demais países da região no enfrentamento e receptividade nos deslocamentos humanos.

As crises venezuelana e da Amazônia, com relação ao processo de savanização, serão levadas para a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP-25), que será realizada em Madri, Espanha, em dezembro. “Num cenário de desgovernança climática e das economias emergentes para fazer esforços para mitigar, há movimentos dos jovens, como Greta Thunberg e do Climate Leaders e a iniciativa do Sínodo para a Amazônia, da Igreja Católica. Isso é muito promissor, neste cenário pessimista. Alianças, esforços mais coletivos para lutar pelos direitos, para evitar retrocesso maior de uma agenda climática, como a do Brasil, desde demarcação de terras indígenas a controle de desmatamento. Tivemos papel de protagonista na agenda internacional. Hoje está mais retrógrado. As mobilizações sociais podem ter efeito um transformador”, avalia Patrícia do Pinho.

Segundo Patrícia do Pinho, da América Latina até a América do Norte, uma parcela significativa das questões ambientais também está aliada à pobreza, à violência exacerbada e à associação com tráfico de drogas. “Um foco que está sendo trabalhado no sexto relatório do IPCC”, esclarece.

Tendo em vista a inação ou processos muito lentos por parte da maior parte das nações poluidoras para economias de baixo carbono, cenários catastróficos podem ocorrer, de acordo com a pesquisadora que integra o IPCC. “Os esforços globais para deter o aumento da temperatura média do planeta até 1.5 grau são insuficientes. O mundo normal vai ser exacerbadamente com mais extremos, mais quente, com pandemias de ordem pouco desvendada e queda de produtividade agrícola. É uma crise sistêmica, um efeito cascata”. De acordo com Patrícia, até o processo de refrigeração terá de ser mais intenso. “Isso expandirá as desigualdades. Os países do cone sul são os mais impactados severamente com menos capacidade de resposta. Neste cenário, a Amazônia pode ultrapassar 4 graus C e outras áreas no semiárido”, diz.

Contexto global

“Mundialmente os exemplos mais clássicos de situação de refúgio climático são os de populações das ilhas do Pacífico, que com o aumento gradativo do nível do mar, têm realizado um fluxo migratório muito grande. Na África, com a desertificação, existem também estes fluxos, que vem até as Américas. No sul da Ásia, por conta das inundações e tempestades consecutivas e a alta densidade populacional aliada à pobreza. São áreas extremamente vulneráveis”, expõe Patrícia.

A bióloga exemplifica que também a crise na Síria, uma das mais complexas na contemporaneidade, tem um fundamento climático inicial. “Combina o estresse climático e os conflitos políticos, a perseguição cultural e religiosa. Teve uma taxa de migração muito elevada. Estima-se que só na Alemanha, foram 800 mil refugiados. Os países escandinavos têm grande proporção destas pessoas”, afirma.

Sobre a 350.org Brasil e a causa climática

A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas.

Desde o início, trabalha questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis junto às comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa das comunidades afetadas por meio da campanha Defensores do Clima. Mais uma vertente das iniciativas apoiadas pela 350.org é da conjugação entre Fé, Paz e Clima.

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Sucena Shkrada Resk – jornalista ambiental, especialista em política internacional, e meio ambiente e sociedade, é digital organizer da 350.org Brasil

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