Mais uma vez, as comunidades pesqueiras da Baía de Guanabara, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, foram alvo de violência e intimidação, em uma área onde os interesses da indústria fóssil muitas vezes ferem os das famílias que vivem por ali. Novamente, porém, os pescadores mostraram que seguirão firmes na luta pela conservação marinha e pelos seus direitos. 

O episódio mais recente de violência ocorreu na madrugada de sábado para domingo (08/03). Edilson Aderaldo Marques Filho e um irmão foram alvejados por balas de borracha disparadas por patrulheiros da Marinha, enquanto pescavam em uma zona da Baía de Guanabara próxima a uma área militar e de terminais de exploração de petróleo e gás, na região de Magé, na Baixada Fluminense. 

Edilson foi atingido em uma costela e duas vezes na cabeça, em uma delas próximo aos olhos, e corre o risco de sofrer danos à visão. O pescador foi levado ao Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias e seguia internado até a noite de terça-feira (10/03).

Edilson Aderaldo Marques Filho mostra ferimento provocado por uma bala de borracha disparada por patrulheiros da Marinha

Ele é um dos fundadores da Associação dos Homens e Mulheres do Mar da Baía de Guanabara (Ahomar), organização comunitária que trabalha pela garantia dos interesses dos pescadores, incluindo o direito a pescar nas áreas permitidas por lei sem sofrer ameaças.

Vídeos mostram intimidação

Em vídeos que os irmãos gravaram com um telefone, ainda no barco em que estavam e enquanto Edilson sangrava em decorrência dos tiros que levou, ouve-se um homem gritar: “Larga o celular, cidadão” e “Desliga esse telefone”. Segundo os pescadores, a voz vem da direção em que se encontravam patrulheiros da Marinha responsáveis pelos tiros, que também teriam coagido os irmãos a deixar de registrar a abordagem.

A Marinha divulgou uma nota em que alega que o barco onde os irmãos estavam invadiu área de segurança militar, próximo à Ilha do Boqueirão, em Magé, e não atendeu a uma ordem de parada. Os irmãos afirmam, porém, que estavam em uma zona onde a navegação e a pesca são permitidas e que foram perseguidos a tiros pelos militares. Os vídeos gravados indicariam que eles estavam longe da área de segurança assinalada pela Marinha.

Depois de ser baleado, Edilson foi levado a uma instalação da Marinha e teve o barco apreendido. Em seguida, foi deixado em terra pelos militares e levado pelo irmão ao hospital.

A Marinha informou que abriu um processo administrativo para apurar os acontecimentos. Representantes da Ahomar disseram que encaminharão o caso ao Ministério Público Federal do Rio de Janeiro e à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Magé, para que ajudem a exigir uma investigação adequada dos fatos.

Comunidades pedem providências

A 350.org junta-se à Ahomar no pedido às autoridades federais e estaduais para que a apuração do ataque aos pescadores se dê de maneira justa e tão ágil quanto possível. Além disso, exigimos que as empresas que atuam na região e as autoridades competentes garantam o fim das ameaças e da violência contra as comunidades da região.

Já bastante vulneráveis por causa da insuficiência de serviços públicos adequados no local onde vivem, os moradores que dependem da pesca na Baía de Guanabara relatam um longo histórico de agressões por agente públicos e privados como resultado das denúncias de violações à legislação ambiental que eles encaminham às autoridades.

O maior vazamento de óleo já ocorrido na Baía de Guanabara, em 2000, foi denunciado por um pescador da associação. Na época, o rompimento de um duto que liga a Refinaria Duque de Caxias (Reduc) ao Terminal da Ilha d’Água, na Ilha do Governador, provocou uma mancha de 1,3 milhão de litros de óleo combustível, que destruiu manguezais e invadiu a Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim.

Um exemplo mais recente de atuação dos pescadores pela conservação marinha se deu em 2019, quando membros da Ahomar se juntaram aos protestos pelo fim dos leilões de blocos de petróleo no Brasil, que põem em risco áreas como o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos.

Dois líderes da Ahomar, Alexandre Anderson e Maicon Alexandre, já foram incluídos na lista de indivíduos sob proteção oficial pelo programa de proteção aos Direitos Humanos da Presidência da República, por causa das ameaças que receberam. Além disso, um tesoureiro da organização foi assassinado e, segundo os pescadores, sua morte teve relação com as denúncias por eles apresentadas.

Os pescadores artesanais do Grande Rio de Janeiro sofrem, ainda, com os frequentes vazamentos de óleo de pequeno porte, que agravam a poluição da Baía de Guanabara, e com a limitação cada vez maior do espaço legal para pesca na região. Eles dizem que quanto mais as empresas do setor fóssil expandem atividades na Baía de Guanabara, maiores ficam as restrições às famílias para praticarem a atividade que garante seu sustento e as intimidações para que deixem da atuar no entorno dos terminais.

Setor fóssil viola direitos em todo o mundo

Esses atos de desrespeito às comunidades por parte das indústrias de petróleo, gás e carvão não são exclusividade do Rio de Janeiro. Em fevereiro de 2020, a 350.org lançou um relatório global que reúne oito casos de graves violações aos direitos humanos cometidas pelo setor, em cinco continentes.

Por serem frequentes e ocorrerem em todo o mundo, as violações mostram que essa indústria ameaça não só o bem estar da humanidade como um todo, ao seguir agravando a crise climática global por meio da queima dos combustíveis fósseis, mas também – e ainda mais diretamente – o de líderes locais que se dispõem a defender suas comunidades. É hora de colocarmos um fim a esses abusos!