Cansados da ausência de consultas oficiais, líderes comunitários criam espaço de diálogo próprio e reforçam exigência por uma Amazônia livre do extrativismo fóssil
Representantes indígenas, comunitários e ribeirinhos de populações afetadas pela extração de gás no sul do Amazonas reuniram-se nesta terça-feira, 2 de agosto, em uma audiência pública popular, em Itacoatiara (AM), para relatar os danos que o setor de combustíveis fósseis está provocando sobre os territórios e as populações tradicionais da região.
As lideranças locais promoveram sua própria audiência pública popular porque estavam cansadas da ausência de consultas públicas oficiais, que são exigidas pela legislação brasileira, mas negligenciadas pelas companhias que atuam no Amazonas e pelos governos estadual e federal.
Apoiaram a realização da audiência a ONG de campanhas globais pelo clima 350.org, a Prelazia de Itacoatiara, a Associação de Silves pela Preservação Ambiental e Cultural (ASPAC), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Grupo de Trabalhos Amazônicos (GTA) e a Associação Vida Verde da Amazônia (AVIVE).
Além de membros dessas organizações, participaram do diálogo moradores de comunidades de Itacoatiara, Itapiranga e Silves e representantes das prefeituras dos três municípios amazonenses. Também estiveram presentes membros do Ministério Público Federal, do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) e da Eneva, companhia que possui uma Unidade de Tratamento de Gás (UTG) em Silves e está expandindo suas operações na região.
Na audiência pública, os representantes das populações tradicionais relataram, com indignação, que a comunidade vem sofrendo com a ausência de informações sobre os empreendimentos de gás na região, o elevado déficit de empregos e o licenciamento ambiental pouco transparente. Também apontaram problemas relacionados à operação da Eneva, incluindo explosões e clarões assustadores a qualquer hora do dia e da noite.
Em tentativas anteriores de comunicação com a Eneva e as autoridades regionais, as comunidades também já relataram o empobrecimento da fauna disponível para alimentação e uma percepção da elevação do risco de invasões de terra, pela chegada de novos moradores à região.
Líderes indígenas e ribeirinhos lembram também que a própria ausência de audiências públicas sobre os empreendimentos do setor de gás consiste em um desrespeito a seus direitos. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, determina a obrigatoriedade de consulta livre, prévia e informada às comunidades tradicionais sobre empreendimentos que afetem ou possam afetar seus territórios.
“As comunidades do sul do Amazonas estão dando um exemplo de inteligência e luta, já que diante do desrespeito das autoridades e da Eneva pelos direitos dos povos tradicionais, criaram seu próprio espaço de diálogo e fizeram-se ouvir”, afirma Luiz Afonso Rosário, coordenador de campanhas da 350.org.
Eneva e seus acionistas já foram alertados
Entre as comunidades mais diretamente afetadas pela operação da Eneva no Amazonas estão as do povo Mura em Silves. Os Mura já haviam alertado a Eneva e um de seus principais acionistas, o banco BTG Pactual, de que rejeitam a presença de empresas de petróleo e gás na região e de que seus territórios e modos de vida já estavam sendo prejudicados por causa das operações em Silves.
Em novembro de 2021, o Cacique Jonas Mura participou de um protesto contra o extrativismo fóssil na Amazônia, em conjunto com a 350.org, diante da sede do BTG Pactual em São Paulo, na Avenida Faria Lima. Para o cacique, o protesto foi uma oportunidade para reivindicar ao banco que deixe de apoiar operações que violam direitos dos povos indígenas e agravam a crise climática.
O cacique chegou a ser recebido por uma representante do banco, a quem entregou uma carta com suas demandas. O BTG Pactual, porém, nunca tomou qualquer ação para retirar sua participação na Eneva, mudar as práticas da empresa da qual é um dos donos ou mesmo abrir um diálogo com os grupos afetados pelo empreendimento.
Além dos impactos socioambientais locais, a expansão do gás fóssil prejudica a capacidade do país de alcançar suas metas climáticas e agrava a crise climática global, que afeta sobretudo as populações socialmente mais vulneráveis, como as comunidades indígenas.
Um relatório do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) divulgado em 2021 mostrou que, de 2020 para 2021, o Brasil aumentou em 121% a emissão de gás carbônico (CO₂) por queima de combustíveis fósseis utilizados em usinas termelétricas, considerando os nove primeiros meses de cada ano.
Informações para a imprensa
Peri Dias
Comunicação da 350.org na América Latina
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