Sob “medidas policiais protetivas” para garantir a segurança dos participantes, indígenas, ribeirinhos e associações locais denunciam impactos da extração de gás
Manaus, 16 de junho de 2023 – Centenas de pessoas – entre povos indígenas, ribeirinhos e membros de associações locais – são aguardadas nas audiências públicas que ocorrem neste sábado e domingo em Silves e Itapiranga, no Amazonas, para questionar o projeto de expansão da exploração de gás e petróleo nos dois municípios. Conhecida como Campo do Azulão, a obra pertence à empresa Eneva, que não apresentou Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e ignora a presença de indígenas e comunidades tradicionais nas áreas impactadas. Os organizadores da participação popular observam que a principal preocupação é com o tráfego na ida e na saída de Silves e Itapiranga, e não somente no espaço das audiências.
Baseada nos assédios e ameaças já perpetradas em audiências que aconteceriam em maio, Juliana Marques, coordenadora do do Programa Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PEPDDH – AM), solicitou “disponibilização de medidas policiais protetivas” à Secretaria Estadual de Segurança (SSP-AM). A SSP-AM encaminhou o pedido ao Comando da PM estadual “para conhecimento e adoção das providências pertinentes, no âmbito daquela Corporação”, conforme o Ofício nº 1.257/2023-GS/SSP.
Em maio, foram convocadas e depois suspensas pela seção da Justiça Federal no AM duas audiências com igual objetivo. Mesmo com a suspensão, o prefeito de Silves, Raimundo Grana, e o deputado estadual e presidente do PT-AM, Sinésio Campos, assediaram e ameaçaram a Associação de Silves de Preservação Ambiental e Cultural (Aspac) e a Associação dos Mura, representante de 190 famílias indígenas dos povos Mura, Munduruku e Gavião Real. A Aspac e a Associação dos Mura assinaram o pedido para que a Justiça suspendesse aquelas audiências.
Audiência pública em Silves
17/06, às 9h
Escola Municipal Professora Alda Amazonas Martins – rua Luis Magno Grana, s/n, bairro Governador Plínio Coelho
Audiência pública em Itapiranga
18/06, às 9h
Ginásio Poliesportivo D. Jorge Marskell – rua Urucurituba, s/n, bairro Gilberto Mestrinho
Inconsistências e desinformações no licenciamento
Técnicos que trabalham em apoio às comunidades impactadas levantaram a existência de várias inconsistências e desinformações no processo de licenciamento ambiental, irregularmente emitido pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM). Também causou surpresa a realização das audiências sem a prévia divulgação e debate sobre o EIA.
Em pedido de Ação Civil Pública (ACP), a Aspac e a Associação dos Mura anteriormente argumentaram:
a) Que o licenciamento seja feito pelo IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente), devido à complexidade e sensibilidade ambiental da bacia hidrográfica;
b) que seja realizada a consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas e demais populações tradicionais, localizadas na área de influência do empreendimento;
c) que seja elaborado estudo específico de Componente Indígena e do Componente Quilombola, ausentes em todas as fases do licenciamento ambiental e tampouco apreciado no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) apresentado pelo empreendedor, além da identificação dos impactos do empreendimento pela ENEVA e a implementação dos planos de gestão econômicos e demais medidas mitigatórias e compensatórias; e
d) que seja dada ampla publicidade ao EIA, conforme determina a Resolução 237 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente).
EIA não foi divulgado; povos tradicionais não foram ouvidos
“A audiência pública não atende aos princípios básicos da consulta livre e informada às comunidades ribeirinhas, povos indígenas e quilombolas, além de não ter sido divulgado o EIA que precede a apresentação do RIMA. Existem potenciais riscos de contaminação das águas superficiais e subterrâneas da Bacia Amazônica, o que causaria grandes problemas de saúde e até morte das populações”, estima a bióloga Marcia Ruth Martins da Silva, da ASPAC, uma das autoras do pedido de ACP.
“A Eneva nunca ouviu os povos tradicionais que moram aqui na região. Ela não tem nenhum respeito ao povo indigena que mora no município de Silves”, avalia o Cacique Jonas Mura, que também assina o pedido.
“É inconcebível ainda explorarmos novas áreas de combustíveis fósseis, ainda mais numa região tão sensível como a Bacia Amazônica. O Campo de Azulão está recebendo do IPAAM um licenciamento no mínimo controverso, sem a participação popular, sem informações técnicas, comprometendo uma região cuja beleza cênica e a riqueza ambiental, fala por si só. Tanto o órgão ambiental como a Eneva esqueceram que lá existem gente, povos indígenas, quilombolas, extrativistas, pescadores artesanais e ribeirinhos que vivem e subsistem, há centenas de anos, com os recursos naturais renováveis da região em um equilíbrio harmônico”, observa Luiz Afonso Rosário, coordenador de campanhas da 350.org, que, juntamente com a ASPAC, a Associação dos Mura e a Rede GTA, integra a rede Resistência Amazônica.
“Apesar de ameaças sociais e ambientais, a audiência dupla é realizada após o empreendimento receber as licenças prévia, de instalação e de operação sem apontar aspectos como a ameaça social – afinal, um município com 12 mil habitantes irá receber 5 mil homens, com efeitos na vida das mulheres, na prostituição infantil, na gravidez precoce, nas doenças e tudo mais. E, ainda mais grave, no risco dos danos ambientais. As entidades registram estranheza e perplexidade na atitude do órgão ambiental estadual IPAAM e o empreendedor Eneva sequer apresentarem antes à sociedade o EIA mesmo após requerido pelas organizações sociais, “rasgando” a Resolução Conama 237 que trata dessa matéria”, avalia Sila Mesquita, presidenta da Rede GTA e membro da coordenação da organização Terrazul.
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