Dois meses se passaram desde o início do vazamento de petróleo cru que atingiu até o dia 30 de outubro, 283 áreas em 98 municípios do litoral dos nove estados nordestinos, segundo o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Como há uma semana, o Governo Federal informa que ainda não tem respostas oficiais sobre a origem, responsáveis e quando ocorrerá a contenção total do vazamento, e a investigação continua. Todos os dias aparecem dados novos sobre o aparecimento de manchas de óleo no mar em diferentes praias e mobilizações para a retirada do material são constantes, não só envolvendo o poder público, mas centenas de voluntários civis. Leia também: Vazamento de petróleo em área costeira nordestina se torna um dos maiores impactos ambientais no país .
Vazamento: de um navio ou do Pré-Sal?
Entre as hipóteses apresentadas pela Marinha do Brasil, até o momento, é que este óleo ressurgente tenha vazado de uma embarcação (cujas origem e situação legal estão sendo analisadas) e que a consistência do material encontrado é similar ao de petróleo da bacia venezuelana. Mas enquanto as investigações não são concluídas, um elemento extra surgiu nesta semana, por meio de imagens do satélite Sentinel-1A, da Agência Espacial Europeia captadas, em 28 de outubro, analisadas pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite (Lapis), da Universidade Federal de Alagoas, e pelo Instituto de Geociências da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Segundo os pesquisadores das unidades, os equipamentos identificaram uma suposta mancha de óleo, de grandes proporções (55 km de extensão e 6 km de largura), que se encontra em alto-mar em direção ao sul da Bahia. Se confirmada, poderia sinalizar que o petróleo está saindo do fundo do mar, na camada do Pré-Sal. Em resposta ao anúncio, a Marinha e o Ibama disseram que não se trata de óleo. O vice-presidente Hamilton Mourão disse, nesta quarta-feira (30/10), que o governo está prestes a desvendar a responsabilidade pelo vazamento, que será anunciada em breve.
Questionamentos permanecem sobre diferentes recortes do problema. Entres os principais, a condução do Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (PNC). No último dia 29, o Ministério Público Federal (MPF) recorreu, junto ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), no Recife, da decisão que negou o pedido feito pelas Procuradorias dos nove Estados do Nordeste, para obrigar o governo federal acionasse o PNC, em 24 horas, em toda a costa da região. A interpretação da Justiça foi de que o PNC havia sido acionado.
Mais uma reviravolta ocorreu neste caso agora. O TRF 5 emitiu decisão, ontem, sobre este recurso, obrigando a União a convidar um representante do órgão estadual do Meio Ambiente de cada estado afetado pelo derramamento de óleo que atinge toda a região Nordeste para participar do colegiado do Comitê de Suporte do Plano Nacional de Contingência. Segundo o documento, a medida deve ser acatada em 48 horas para cumprimento da ordem judicial pela União, sob pena de multa diária de R$ 50 mil.
Leilões para extração de petróleo serão na próxima semana
Um questionamento que surge com mais ênfase, neste contexto, é quanto ao modelo de atividade econômica baseado em combustíveis fósseis. Esta situação também coloca em xeque o posicionamento do Brasil a uma transição à economia de baixo carbono, que é uma mobilização global frente à aceleração das mudanças climáticas e ao Aquecimento Global.
Ao mesmo tempo que este desastre ambiental marca o país, como sendo o maior que atingiu a costa brasileira, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) deverá realizar no próximo dia 6, no Rio de Janeiro, a Rodada de Licitações dos Volumes Excedentes da Cessão Onerosa de exploração de petróleo e gás, quando serão ofertadas as áreas do Pré-Sal de desenvolvimento de Atapu, Búzios, ltapu e Sépia, na Bacia de Santos.
Já no dia 7 de novembro, haverá a sessão pública de apresentação de ofertas de concessões da 6ª rodada de partilha do Pré-Sal, na qual serão ofertados os blocos Aram, Bumerangue, Cruzeiro do Sul, Sudoeste de Sagitário e Norte de Brava, que incluem a Bacia de Campos, no Rio de Janeiro. Estas rodadas ocorrem depois da 16ª Rodada de Licitações de Blocos, realizada no dia 10 de outubro, na qual houve a oferta de 36 blocos nas bacias sedimentares marítimas de Campos, Camamu-Amada, Jacuípe, Pernambuco-Paraíba e Santos, totalizando a expressiva área de 29,3 mil km² de área. São investimentos de grande porte, de pelo menos três décadas, em atividades de alto risco.
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Perigo ronda Abrolhos
Blocos que ficam na região do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, que abriga a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul, não tiveram lances, mas devem ser colocados para oferta em leilão permanente (veja também Vazamento de petróleo em área costeira nordestina se torna um dos maiores impactos ambientais no país ).
Mas um perigo mais próximo ronda Abrolhos: é a aproximação das manchas de petróleo, que já atingiram a região de Caravelas, na Bahia. A Marinha informou, nesta quarta-feira (30/10), que está preparando um “esquema de guerra” para a proteção da área. Nesta operação, estão previstos nove navios para monitorar de forma permanente 22 mil km² no arquipélago —área equivalente ao estado de Sergipe. Deverão também ser acionados barcos que passem pelo local.
Pescadores chegaram a fazer testes, na Reserva Extrativista de Canasvieiras, de coleta de óleo com redes apreendidas em fiscalizações. A ideia foi proposta por professores da Universidade Federal da Bahia (UFBA), com acompanhamento do ICMBio e apoio do Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia). São alternativas que estão sendo bem-vindas, dado o risco.
Legislativo pede respostas sobre o vazamento
Na Câmara dos Deputados, a comissão externa criada para apurar as responsabilidades pela contaminação por petróleo no litoral nordestino criticou, no último dia 29, a lentidão do governo federal em tomar providências para conter as manchas de óleo antes da chegada às praias, como também o grave comprometimento ao turismo de alta estação.
Mais um ponto questionado pelos parlamentares foi a edição da instrução normativa (IN 52/19) do Ministério da Agricultura, do dia 25, que proíbe a pesca de várias espécies de camarão e lagosta em pontos específicos do Nordeste, como os possíveis comprometimento à saúde. Os deputados querem mais esclarecimentos e pretendem convocar governadores, secretários de meio ambiente e representantes municipais, além dos ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Fernando Azevedo e Silva (Defesa). Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) também deve ser aberta na Casa. O pedido se encontra na Secretaria-Geral da Mesa da Câmara e será analisada pelo presidente da Casa Rodrigo Maia.
Mais de 144 mil pessoas dependem da atividade para a subsistência na região afetada, de acordo com cadastro do Ministério de Agricultura. “A situação é gravíssima. Outra questão é que muitos pescadores não receberão o seguro-defeso que está sendo adiantado pelo Governo, porque suas carteiras haviam sido canceladas, por causa da burocracia do entendimento sobre a função de quem coleta camarão. Ao mesmo tempo, as áreas de mangues e estuários estão ficando comprometidas”, disse à 350 Brasil, a marisqueira Eliete Paraguassu da Conceição, quilombola coordenadora da Colônia Z04, da Ilha da Maré, Salvador, Bahia e integrante do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais. O anúncio do ministério quanto à liberação do benefício, no entanto, é para 60 mil pescadores.
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Unidades de conservação em risco
O petróleo já atingiu unidades de conservação (UCs) federais marinhas, o que causa apreensão, em especial, entre o Maranhão e Sergipe. Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Diversidade Biológica (ICMBio), entre elas, está a Reserva Biológica Santa Isabel (SE), área de reprodução de tartarugas marinhas. Na Bahia, na Praia do Forte, onde há o Projeto Tamar, também houve o registro das manchas. Estas situações têm exigido forças-tarefas, com a participação de funcionários a voluntários.
Áreas sensíveis como os mangues também estão sofrendo com o vazamento do petróleo cru e podem sofrer danos irreversíveis, segundo especialistas. São uma área de transição entre a terra e o mar, que serve de berçário para 80% das espécies de importância econômica e para segurança alimentar. Já existem registros em Alagoas, Bahia e Pernambuco. Em declaração à imprensa, o almirante da Marinha, João Alberto Lampert, informou que não havia protocolos ambientais sobre como lidar com esse tipo de contaminação de mangues e agora estão sendo reunidas informações com institutos e universidade para que sejam criados.
Alertas na área da saúde
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) emitiu um comunicado público no qual endossa a nota oficial do posicionamento dos pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho da Universidade Federal da Bahia (PPGSAT/UFBA), que recomenda às autoridades a declaração de Estado de Emergência em Saúde Pública para Controle dos Riscos Decorrentes da Maior Tragédia de Contaminação pelo Petróleo na Costa do Brasil. A medida é prevista na Portaria nº 2.952/2011, do Ministério da Saúde.
Esse conjunto de fatores coloca a necessidade de maior transparência à sociedade civil sobre a atividade econômica com combustíveis fósseis.
Sobre a 350.org Brasil e a causa climática
A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas.
Desde o início, trabalha questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis junto às comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa das comunidades afetadas por meio da campanha Defensores do Clima. Mais uma vertente das iniciativas apoiadas pela 350.org é da conjugação entre Fé, Paz e Clima.
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Sucena Shkrada Resk – jornalista ambiental, especialista em política internacional, e meio ambiente e sociedade, é digital organizer da 350.org Brasil
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