Paulo Artaxo, físico, Doutor em Física Atmosférica, tem um vasto currículo na área de pesquisa acadêmica principalmente com foco em mudanças climáticas globais e meio ambiente na Amazônia. Já trabalhou na NASA e na Universidade de Harvard (EUA), entre outras organizações.
Hoje é professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Programa Fapesp de Mudanças Climáticas Globais. Membro da Academia Brasileira de Ciências e da World Academy of Sciences, Artaxo desempenha, há anos, um papel importante com outros brasileiros no quadro composto por centenas de cientistas de diferentes países do mundo, no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (IPCC/ONU), que são a retaguarda científica para as negociações do clima entre as nações mundialmente.
Em entrevista à jornalista Sucena Shkrada Resk, digital organizer da 350.org Brasil, Artaxo analisa cenário atual e perspectivas futuras das mudanças climáticas e do Aquecimento Global, expondo sua análise sobre a situação atual da Amazônia aos desafios impostos no planeta que serão colocados à mesa na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP-25), que acontece em dezembro, no Chile. Confira:
350.org Brasil – Professor, qual é a importância da Amazônia para o Brasil e para o mundo? Por quê?
Paulo Artaxo – Na regulação climática, tanto da América do Sul quanto do nosso planeta. A Amazônia é o maior reservatório de carbono em qualquer área continental e tropical do planeta e é responsável pela exportação de vapor d`água em grandes quantidades que, na verdade, irrigam as chuvas no continente e parte das chuvas no nosso planeta, como um todo.
350.org Brasil – Pode explicar, então, o que são os chamados “rios voadores” da Amazônia? Em que contribuem?
Paulo Artaxo – Os rios voadores são justamente estes sistemas de transporte de vapor d´água da floresta amazônica para a região central e sul do Brasil. Não consistem em água, mas vapores d`água que são transportados pela atmosfera e se originam do oceano Atlântico tropical, sendo processados pela floresta amazônica e transportados para estas regiões. Têm papel fundamental na contribuição para as chuvas nestas áreas. São muito importantes para o sistema hídrico do Brasil.
350.org Brasil – Qual é a situação da Amazônia hoje e o comprometimento do desmatamento e das queimadas e incêndios, na atual conjuntura?
Paulo Artaxo – Hoje estamos vendo uma aceleração da taxa de desmatamento da Amazônia. Dados do Sistema Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), para o mês de julho, mostram o aumento de 84%, o que é muito significativo. Este aumento pode ser confirmado mais tarde pelo sistema definitivo de medidas de desmatamento, o PRODES (que apresenta taxas anuais), mas isso demora alguns meses para ser recompilado.
350.org Brasil – Quais são os impactos deste aumento?
Paulo Artaxo – Significa que áreas de floresta estão sendo convertidas em áreas de pastagem. com evapotranspiração ou exportação dos vapores d`água muitas vezes menor do que a floresta. Está sendo trocado um ecossistema que armazena de 100 a 200 toneladas de carbono por hectare por outro que armazena de 15 a 20 toneladas de carbono por hectare. Então, na verdade, são dois ecossistemas completamente diferentes. O carbono que estava armazenado na biosfera, ao ser queimado, vai para a atmosfera e se transforma em dióxido de carbono (CO2), que é o principal gás de efeito estufa (GEE). Agrava a situação no planeta, e fica na atmosfera por centenas a milhares de anos.
350.org Brasil – Então, a Amazônia está se transformando em outro bioma?
Paulo Artaxo – Evidentemente, quando se desmata a floresta, ela deixa de existir. Daí pode surgir um outro ecossistema típico, como de sistemas agropastoris, com plantação de soja, algodão, feijão ou pastagem para gado. Plantar árvore é a única maneira hoje de remover CO2 da atmosfera, mas que, ao mesmo tempo, ‘compete’ hoje com a produção de alimentos e de biocombustíveis.
350.org Brasil – O que essa mudança interfere no Aquecimento Global?
Paulo Artaxo – Interfere obviamente de maneira muito forte, porque o Brasil se comprometeu no Acordo de Paris (na COP 21), desde, 2015, a zerar as emissões ilegais (desmatamento ilegal) de GEEs até 2025 e o que estamos vendo é o contrário disso, com o aumento das emissões. De 2013 até 2018, basicamente o desmatamento da floresta amazônica praticamente dobrou de tamanho, de 4 mil quilômetros quadrados para 8 mil quilômetros quadrados. E isso evidentemente tem um impacto enorme sobre a saúde do ecossistema, sobre os GEES que estão sendo emitidos para o planeta e sobre o ciclo hidrológico do próprio Brasil.
350.org Brasil – Existe uma pressão sobre a Amazônia quanto à exploração de petróleo e gás, incluindo de xisto, por meio do fracking (fraturação hidráulica). O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Paulo Artaxo – Obviamente há múltiplas pressões de exploração econômica sobre a Amazônia e cabe à sociedade brasileira decidir qual a estratégia de desenvolvimento que nós queremos ter para a Amazônia. Queremos destruir toda floresta e com isso prejudicar, por exemplo, todo o clima da América do Sul? Acredito que a sociedade brasileira não quer isso, mas quer desenvolver estratégias de desenvolvimento sustentável para a região amazônica, dando uma oportunidade de sustentabilidade econômica e social para os povos que moram na floresta e para toda população brasileira que vive nesta região. Existem muitas boas demonstrações de que isso é possível. Vários projetos que foram financiados pelo Fundo Amazônia mostraram que isso ocorre e basta ter vontade política para implementar um programa de sustentabilidade de desenvolvimento da Amazônia.
350.org Brasil – Como o senhor analisa a importância e situação hoje dos povos tradicionais e indígenas da Amazônia?
Paulo Artaxo – Se você olhar as áreas mais bem preservadas da floresta amazônica, são terras indígenas. Isso porque os indígenas desenvolveram a cultura por centenas de anos de exploração sustentável. Isso é possível? Sim. O Brasil deve estimular e proteger estas populações.
350.org Brasil – O senhor compõe o quadro de cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), que lançou recentemente um relatório especial sobre Mudanças Climáticas e o uso da terra. Qual é o principal alerta?
Paulo Artaxo – Este relatório foi o primeiro do IPCC que analisou quais são os impactos das atividades humanas nos ecossistemas terrestres, que são basicamente onde o homem vive no planeta. Trata de quatro questões cruciais, para estabelecer um equilíbrio do futuro do planeta: primeiramente, zerar o desmatamento tropical; em segundo lugar, aumentar a área de florestas de nosso planeta como um todo; em terceiro lugar, enfrentar a dificuldade de coadunar estes dois aspectos com a produção de alimentos para 10 bilhões de pessoas em 2050. O quarto ponto é evidentemente, ao mesmo tempo, produzir biocombustíveis para substituir parte dos combustíveis fósseis onde não há tecnologia ainda de substituição com custos e praticidade relevantes. Então, são estes quatro pontos que o relatório do IPCC discute em termos de relacionamento entre florestas, produção de bioenergia e produção de alimentos.
350.org Brasil – No atual contexto mundial, o senhor considera possível limitar o aquecimento global em 2 graus C? O que significa em relação ao grau de comprometimento à humanidade ultrapassar este limite?
Paulo Artaxo – Não é mais possível limitar o Aquecimento Global a 2 graus C. Nós estamos aumentando as emissões. Neste ano de 2019, as projeções futuras são de um aumento de 2,4% de emissões de GEES. No contexto deste cenário, com certeza, não é possível limitar o Aquecimento em 2 graus C até 2100, com relação à era pré-industrial, e a possibilidade é de atingir um Aquecimento médio global de 3 a 4 graus C, que significa em áreas continentais, um aumento de 4 a 5 graus C, em média. Evidentemente algumas regiões como o Nordeste brasileiro, por exemplo, podem ter um aumento ainda maior.
Haverá um impacto sobre as atividades socioeconômicas e sustentabilidade de 10 bilhões de pessoas no planeta. Já estamos também observando o aumento na intensidade e frequência de eventos climáticos extremos e isto traz prejuízos enormes. Um número maior de furacões, de secas prolongadas, como também de ondas de calor, que ocorreram no Oriente Médio e Europa, neste ano. Muitas pessoas chegam a morrer nestes eventos climáticos, vale destacar, além dos prejuízos enormes à economia mundial.
Isso significa que vamos ter aumento de temperaturas extremamente expressivas, alteração profunda na precipitação do planeta, que podem vir a comprometer a produção de alimentos. Mudanças muito drásticas na estrutura social e econômica planetária, ao longo das próximas décadas. Temos de reduzir as emissões de GEEs, provenientes dos combustíveis fósseis pelos países desenvolvidos, como o desmatamento das florestas tropicais, como a Amazônia, o mais urgente possível. Isto é uma tarefa que envolve todos no planeta. As próximas gerações serão impactadas fortemente.
350.org Brasil – Qual é o cenário desafiador imposto para a COP-25, em dezembro no Chile? Por favor, aponte os principais pontos.
Paulo Artaxo – Há uma dificuldade enorme dos governos de implementar políticas de redução de emissões de GEEs. Observamos que em 2019, as emissões ainda estarão crescendo no planeta, quando, na verdade, o relatório produzido por cientistas do IPCC mostra que as emissões devem ser reduzidas, em pelo menos, em 5% ao ano, a partir de 2020, zeradas em 2050. Isto é uma transformação sem precedentes na história da humanidade, mas é a única maneira que teremos de garantir o clima estável para as próximas gerações no nosso planeta.
350.org e as mudanças climáticas
A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem também a manutenção das florestas.
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Sucena Shkrada Resk – jornalista ambiental, especialista em política internacional e meio ambiente e sociedade, é digital organizer da 350.org Brasil
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