Às vésperas das duas rodadas de licitações para concessão de extração de petróleo e gás nas Bacias de Santos e de Campos, que estão programadas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) respectivamente hoje, quarta-feira (6) e 7 de novembro, uma carta dirigida à Décio Oddone, presidente da agência foi protocolada no órgão ligado ao Ministério de Minas e Energia (MME), no dia 05. No documento, há a reivindicação do cancelamento deste megaleilão do Pré-Sal, dividido em rodada de Licitações do Excedente da Cessão Onerosa e na 6ª Rodada de Partilha da Produção do Pré-sal. A entrega ocorreu no Rio de Janeiro e foi precedida por uma manifestação pacífica na região da Candelária e próxima à sede da ANP.

 

Mobilização #LeilãoFóssilNão - RJ - 05/11/2019

Foto: Melissa Teixeira/Arayara

 

O documento que enfatiza a emergência climática é assinado pela 350.org, pelo Sindicato dos Pescadores Profissionais e Pescadores Artesanais do Estado do Rio de Janeiro (SindPesca-RJ), pelo Fórum Nacional de Presidentes do Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI) e pela Associação Homens e Mulheres do Mar da Baía de Guanabara (AHOMAR). A carta ainda tem o apoio da Arayara e Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida (COESUS) . Ao mesmo tempo está no ar a petição Queremos o mar sem petróleo, que reforça a pauta com ênfase nas hashtags  #leilãofóssilnão e #marsempetróleo.

No último dia 5, após a mobilização, também foi protocolada na ANP a petição Salve Abrolhos, com mais de 50 mil assinaturas, elaborada pela 350.org Brasil (veja também Abrolhos salva em primeiro round). Um perigo que cerca esta estratégica unidade de conservação do Atlântico Sul é a possibilidade de ter a extração de petróleo em blocos a serem oferecidos em leilão permanente pela ANP. Soma-se a este problema, os efeitos do vazamento de petróleo na costa nordestina, ainda sob investigação, que atingiu recentemente o Parque Nacional Marinho.

No contexto dos efeitos do vazamento de petróleo, que atingem a costa nordestina há dois meses, Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora da 350.org América Latina, destaca a preocupação da mobilização voltada especialmente a comunidades pesqueiras, povos tradicionais e indígenas, além do turismo afetado. “Nossa demanda é cancelar os leilões desses dois dias, como também a outra modalidade, que é o leilão permanente, que prevê a oferta dos blocos de Camamu- Almada e Jacuípe, na região do Parque Nacional Marinho de Abrolhos”, afirma.

“Não é o momento de se negociar a exploração de blocos de petróleo, sendo que o vazamento de petróleo que atinge há dois meses o litoral nordestino já está se aproximando cada vez mais do sudeste. Nós, pescadores, temos medo deste óleo que está atingindo a costa, sem um esclarecimento definitivo pelo governo federal. Com o leilão, isso duplica”, afirma o pescador Alexandre Anderson de Souza, presidente da Ahomar.

Segundo ele, o que está em questão é a sobrevivência de pescadores artesanais. “Não estamos (pescadores) sendo consultados em todos estes processos de exploração de petróleo principalmente a empresas estrangeiras. Aqui no Rio de Janeiro, por exemplo, somos mais de 70 mil famílias de pescadores artesanais e outras indiretas que atuam em restaurantes, peixarias que dependem deste segmento. Caso o vazamento chegue até aqui, com a velocidade que atinge a costa, poderemos ter problemas com o pescado, que pode atingir até o mercado de São Paulo”, explica.

Maicon Alexandre Rodrigues Carvalho, presidente interino do SindPesca-RJ, alerta para o perigo do comprometimento da pesca. “Do jeito que está, nossos filhos não serão mais pescadores. Até agora não sabemos, de fato, a causa do vazamento no Nordeste e a definição de quem é a culpa, de fato. Pelo tempo do vazamento, já devia ter parado. Nossa preocupação é que chegue também no Rio de Janeiro. Quando acabar o seguro-defeso, como ficará nossa situação? Será o setor do petróleo que tomará nosso lugar com essa série de licitações?, questiona.

Os dois pescadores artesanais reforçam que o vazamento na costa nordestina se tornou o pior no país, depois da ocorrência de vazamento de 1 milhão de litros e meio, ocorrido na Baía da Guanabara, proveniente de um duto defeituoso, em janeiro de 2000. “Atingiu sete municípios, área de proteção ambiental e não houve indenização dos afetados. Será que agora a história se repete”, diz Carvalho .

Para o indígena Leonardo Pataxó Muniz, da região de Paraty, no estado do Rio de Janeiro, muitas famílias indígenas dependem da pesca, como de sua aldeia, com 62 pessoas e de seus parentes, na região de Porto Seguro, na Bahia, que também está sendo afetada pelo vazamento de petróleo. “Nossa preocupação é com a natureza. Estamos nos manifestando por uma causa justa que pode afetar toda sociedade. Com o aumento da exploração de petróleo a situação poderá ficar bem pior”, citou, durante a mobilização realizada no dia 5.

Um conjunto de violações – à natureza, à pessoa humana e aos animais. Assim a irmã Mectildes Cury, da Congregação Beneditina, definiu o investimento em combustíveis fósseis, ao se interessar pela mobilização. “Infelizmente está faltando uma tomada de consciência da humanidade. As autoridades não estão preocupadas com a precaução e, dessa forma, prejudicam a Terra. Este é um momento para que todos se mobilizem pela vida, independente do credo e de lideranças. Senão, o que será de nós, seres humanos?

Igor Fletcher, estudante de geografia e estagiário da área ambiental em Niteroi, RJ, é preciso maior investimento na área de energia limpa. Estas licitações vão na contramão. Há uma falta de iniciativa da gestão pública para promover uma energia de baixo carbono”, considera.

Confira a carta e os motivos apresentados para a reivindicação:

Exmo. Senhor Presidente da ANP,
Décio Oddone

MUDANÇAS CLIMÁTICAS

O mundo vive uma aceleração dramática das mudanças climáticas, colocando todos os continentes em estado de emergência e alerta permanente. Em todo o planeta, ações têm sido planejadas e executadas visando ao controle da emissão de CO2 (dióxido de carbono). Contrariando pesquisas, estudos e caminhando na contramão dos países que são parte do Acordo de Paris, que estão engajados na redução significativa da emissão de CO2, a exploração dos 15 bilhões de barris de petróleo esperados pela ANP vai gerar a emissão de 8,7 bilhões de toneladas do gás. Lembre-se que a emissão descontrolada de dióxido de carbono é a principal responsável pela crise climática e todos os problemas dela decorrentes. Em 2018, para fins de comparação, todos os setores do Brasil emitiram, juntos, 1,9 bilhão de CO2.

Cabe ressaltar que as mudanças climáticas impactam, de forma ainda mais agressiva, os moradores das costas devido ao aumento do nível do mar, às tempestades e às secas intensas. 

PETRÓLEO TOMANDO E DESTRUINDO O LITORAL NORDESTINO

O Brasil tem vivenciado, nos últimos sessenta dias, um dos maiores e mais graves desastres ambientais da nossa história: são pelo menos 314 praias atingidas pelo vazamento de óleo cuja origem ainda é desconhecida. São 110 municípios atingidos, nove estados e mais de 2 mil quilômetros de danos.

Por trás desses números, existem dezenas de milhares de vidas abaladas econômica e socialmente: pescadores artesanais, marisqueiras, catadores de mangaba e caranguejo, quilombolas, indígenas camponeses e demais povos da região que dependem dos ecossistemas atingidos pelo óleo, como rios, estuários, manguezais e demais áreas sensíveis. Os povos tradicionais, que vivem com seu estilo próprio de vida, sofrem os impactos mais graves e imediatos, afetando, portanto, a própria subsistência e modo de ser dessas famílias.

Todos eles ainda esperam, mesmo que tenham se passado mais de sessenta dias do início do desastre, suporte do poder público. Estão abandonados. Esse abandono é fruto do petróleo.

Isso sem falar nos impactos para o turismo, das pequenas comunidades às grandes cidades.

O gravíssimo episódio do derramamento de óleo produz, diariamente, danos socioambientais que se avolumam e que, de acordo com especialistas, durarão por décadas em virtude dos significativos impactos.

Agrava-se a situação com o fato de que não há um plano eficaz de contenção e contingência em implementação. Além disso, o Comitê que tratava da contenção foi desfeito pelo atual governo e, não menos grave, o Plano Nacional de Contingência não especifica a origem dos recursos a serem usados em casos como o que vivenciamos. O risco cresce dramaticamente diante desse cenário de caos.

Não sabemos, ainda, sequer a origem e a quantidade de óleo derramados. Como devemos acreditar que o poder público agirá de forma eficiente frente a acidentes envolvendo as bacias do pré-sal?

A demora do poder público em responder ao gravíssimo desastre de vazamento de óleo impede ações simples como: “custear as operações de limpeza e medidas preventivas”, “ressarcir danos materiais”, “recompor perdas econômicas de pescadores e de outras pessoas dedicadas a atividades de maricultura (pescadores artesanais, marisqueiras, catadores de caranguejo indígenas etc)”, “recompor perdas econômicas no setor do turismo” e “custear medidas de restauração do meio ambiente”. O valor global para essas questões emergenciais em Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe é superior a R$ 3 bilhões. Mas ninguém pagou essa conta até agora. A cada dia que passa, a conta aumenta e os estragos são prolongados.

O Brasil, com o iminente megaleilão do petróleo do pré-sal, pretende se tornar um dos maiores produtores do mundo, superando a China e se igualando aos Emirados Árabes. E as decorrências disso são vultosas, mas não para o bem do país, dos seus cidadãos, do meio-ambiente e das gerações futuras. Ao contrário. É fato que bilhões de reais estão na iminência de ingressar nos cofres públicos (R$ 106,5 bilhões previstos só para o ato, como bônus de assinatura); e outros bilhões e bilhões ao longo dos próximos anos. A União, porém, insiste em seguir descumprindo o comando constitucional de proteção e defesa do meio ambiente, “inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços de seus processos de elaboração e prestação” (artigo 170, VI da Constituição). E a atividade de exploração do petróleo, como cediço, guarda alto grau de poluição (efetivo e potencial).

PERDAS DE TRILHÕES EM RECURSOS PÚBLICOS

Quanto ao megaleilão do petróleo do pré-sal sedimentar, é relevante, também,  a manifestação técnica dos especialistas da Universidade de São Paulo-USP (Instituto de Energia e Ambiente), destacando, dentre outros aspectos, que a União estaria optando por modelo apto a trazer perdas de 300 bilhões de dólares, o que corresponde a R$ 1,2 trilhões de reais, uma vez e meia a economia preconizada pela reforma da previdência.

Outro importante dado é a isenção fiscal concedida às petroleiras pela Lei 13.586/2017. A lei prevê que, até 2040, todo o dinheiro investido em produção de óleo poderá ser deduzido da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ). O governo comemora a arrecadação de R$ 106 bilhões no leilão, mas não anuncia que abrirá mão de R$ 1,8 trilhão em isenção fiscal justamente quando o país enfrenta uma das maiores crises econômicas, em que muitos estados e municípios não conseguem sequer pagar em dia os servidores públicos, muito menos para investir em desenvolvimento social, tão necessário nas áreas devastadas pela exploração do petróleo.

ABROLHOS

Há, sem dúvida, um ponto de destacada relevância nesse cenário do qual tratamos aqui: Abrolhos.

Em abril de 2019, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, tomou uma decisão muito incomum. Ele contrariou um parecer técnico feito por um comitê especializado que não autorizava o leilão de petróleo ao lado do Parque Nacional de Abrolhos. A explicação é que, segundo o Ministério do Meio Ambiente, a exploração nesse local é “estratégica”. Bim recebeu ofício diretamente da Secretaria-Executiva do Ministério do Meio Ambiente pedindo que o Ibama declinasse do laudo técnico e adotasse medida política e de alto risco. O parecer do Ibama que pedia a rejeição do bloco próximo a Abrolhos foi emitido no dia 18 de março.

 no último dia 10 de outubro, quando a ANP realizou a 16ª Rodada de Licitação de Blocos para Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural, a pressão de ONGs e da sociedade fez com que as petroleiras não ousassem adquirir os direitos de explorar as bacias Camamu-Almada e Jacuípe, próximas à área de conservação do Santuário de Abrolhos.

Ainda assim, a ANP incluiu as duas bacias no leilão permanente de exploração, novamente ignorando os alertas técnicos do impacto ambiental que pode ser gerado e o risco jurídico presente no certame.

Não bastasse tudo isso, o desastre ambiental que atinge o litoral nordestino chegou a Abrolhos. E as respostas não têm sido adequadas. O que aconteceria se, em caso de exploração das bacias próximas ao Santuário, houvesse um acidente?

Para protegermos Abrolhos, desde abril de 2019 coletamos assinaturas contra a exploração de petróleo nas regiões que podem afetar o Parque Nacional Marinho de Abrolhos. Mais de 50 mil pessoas já assinaram esta petição. Juntas, as petições pela mesma causa, iniciadas por várias organizações ambientalistas e indivíduos, já recolheram mais de um milhão de assinaturas.

DIANTE DO CONTEÚDO ACIMA EXPOSTO E DO EVIDENTE PERIGO DE DANO, EXIGIMOS:

– O cancelamento do megaleilão do petróleo do pré-sal(rodada de Licitações do Excedente da Cessão Onerosa e da 6ª Rodada de Partilha da Produção do Pré-sal);

– A retirada imediata das bacias de Camamu-Almada e Jacuípe (Abrolhos) do leilão permanente.

Rio de Janeiro, 5 de novembro de 2019

ALEXANDRE ANDERSON DE SOUZA
Diretor Presidente da Associação Homens e Mulheres do Mar da Baía de Guanabara – AHOMAR

ANDREIA TAKUÁ FERNANDES
Coordenadora do Fórum Nacional de Presidentes do Conselho Distrital de Saúde Indígena – CONDISI

MAICON ALEXANDRE RODRIGUES DE CARVALHO
Diretor Vice-Presidente do Sindicato dos Pescadores Profissionais e Pescadores Artesanais do Estado do Rio de Janeiro – SINDPESCA-RJ

NICOLE FIGUEIREDO DE OLIVEIRA
Diretora da 350.org América Latina

Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida (COESUS)

Arayara

Sobre a 350.org Brasil e a causa climática

A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas.

Desde o início, trabalha questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis junto às comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa das comunidades afetadas por meio da campanha Defensores do Clima. Mais uma vertente das iniciativas apoiadas pela 350.org é da conjugação entre Fé, Paz e Clima.

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Sucena Shkrada Resk – jornalista ambiental, especialista em política internacional, e meio ambiente e sociedade, é digital organizer da 350.org Brasil

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