Em protestos de rua, audiências com autoridades ou até em momentos de festa, as comunidades tradicionais da Amazônia brasileira resistem o ano inteiro às agressões contra a maior floresta tropical do mundo. Este Dia da Amazônia, 5 de setembro, é a data ideal para rever alguns marcos dessa luta nos últimos 12 meses e homenagear seus protagonistas. 

Para indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores e outros povos tradicionais, a sua própria existência no território da floresta já representa muitas vezes uma forma de enfrentamento aos grupos que veem na Amazônia um supermercado de produtos básicos para exportação. 

Afinal, as comunidades que estão há gerações nesse território são as que melhor protegem e manejam a floresta. Destruir seu modo de vida e tirá-las do caminho é uma condição para derrubar árvores, extrair minérios ilegalmente, poluir rios, enfim, saquear a floresta que é uma das responsáveis pela regulação do clima na Terra.

Navegação em um rio da Amazônia brasileira: Terras Indígenas são as áreas mais preservadas da floresta, segundo pesquisadores. Crédito da foto: Sébastien Goldberg em Unsplash

Entre as ameaças mais evidentes estão a agropecuária desordenada, o extrativismo ilegal de madeira e minérios e a apropriação de terras para especulação fundiária, problemas que há décadas sangram a Amazônia. A tudo isso, somou-se mais recentemente a cobiça destrutiva das empresas de combustíveis fósseis, que já destruíram partes da floresta em países como Equador e Peru e agora tentam se expandir no Brasil.

Atentas a essa realidade, as comunidades tradicionais já se mobilizam para exigir uma Amazônia livre da extração de petróleo e gás. Os impactos desse setor são uma realidade no Amazonas, onde povos como os Mura tiveram suas terras afetadas pela operação da empresa de gás Eneva e nunca foram ouvidos pela empresa, em uma atitude de desrespeito à legislação e às boas práticas corporativas.

Os riscos futuros, porém, são ainda maiores, já que nos planos das empresas estão a extração de petróleo na costa da Amazônia, a construção de longos gasodutos e a instalação de estruturas que acompanham esses megaempreendimentos e acabam atraindo migrações massivas sem a infraestrutura adequada a essas novas populações. 

Diante desse cenário desafiador e muitas vezes perigoso, celebrar a força das comunidades tradicionais e apoiar sua luta diária são um caminho essencial para contribuir com a justiça social e o fim da crise climática.

Convidamos você a rever três momentos recentes em que os povos tradicionais agiram para manter a floresta livre das ameaças dos combustíveis fósseis. Confira!

3 momentos recentes em que as comunidades tradicionais da Amazônia enfrentaram a expansão do petróleo e do gás na floresta
  1. Fazendo-se ouvir pelos governos e pelas empresas fósseis
     

    Sala cheia no auditório em SIlves (AM) que recebeu a audiência pública autoconvocada sobre impactos da extração de gás no sul do Amazonas. Crédito da foto: Renan Andrade/350.org

    Em uma ação inteligente de resistência, comunidades tradicionais do sul do Estado do Amazonas encontraram uma forma de fazer suas demandas chegarem aos governos locais e à Eneva, companhia que possui uma Unidade de Tratamento de Gás (UTG) em Silves (AM) e está expandindo suas operações na região.

    As comunidades estavam cansadas da ausência de consultas públicas oficiais sobre o impacto do empreendimento da Eneva. Por ter assinado e ratificado a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil tem a obrigação de garantir essas consultas, mas a empresa e as autoridades estaduais e federais desrespeitavam – e seguem desrespeitando –  essa determinação.

    A solução encontrada pelos habitantes do território indígena Mura e de outras áreas afetadas ou potencialmente afetadas pela operação da Eneva foi criar uma audiência pública autoconvocada e difundir por conta própria suas mensagens e demandas, até que elas fossem ouvidas. Em 2 de agosto de 2022, com apoio de uma série de organizações, incluindo a 350.org, as comunidades realizaram a audiência em um auditório local e registraram suas falas.

    Constrangida pela situação, a Eneva enviou um representante, que ouviu diversos moradores sobre os estragos que a companhia vem provocando na região e apresentou a posição da empresa sobre o tema. Também compareceram representantes do Ministério Público Federal, das prefeituras dos municípios de Itapiranga, Itacoatiara e Silves e do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM).

    Print do tuíte publicado no perfil da 350.org (@350AmLatina) sobre a audiência pública em Silves


    Os relatos compartilhados expressaram a angústia dos moradores com a ausência de informações sobre os empreendimentos de gás na região, o elevado déficit de empregos e o licenciamento ambiental pouco transparente. Também apontaram problemas relacionados à operação da Eneva, incluindo explosões e clarões assustadores a qualquer hora do dia e da noite, que assustam as crianças, espantam os animais e dificultam a caça para subsistência. 

    A Eneva ainda não tomou atitude alguma para resolver esses problemas, mas foi obrigada a dialogar com os moradores do entorno do seu negócio. Tampouco as autoridades promoveram mudanças, mas tiveram que reconhecer a inação do Estado diante das demandas das comunidades. A luta prossegue.

  2. Expondo a hipocrisia dos financiadores da destruição

     

    Quem financia a extração de petróleo e gás dá condições para a piora da crise climática. É o que faz uma das maiores organizações financeiras do Brasil, o BTG Pactual, ao manter-se como acionista da Eneva, empresa que extrai gás fóssil em plena Amazônia.

    A ironia é que o BTG Pactual define-se, em sua comunicação institucional, como um banco sustentável e com olhos no futuro. Expor essa hipocrisia faz parte da luta climática atual. Por isso, o cacique Jonas Mura, líder do povo indígena Mura do sul do Amazonas, foi protestar em frente à sede do BTG Pactual em São Paulo, em 5 de novembro de 2021, enquanto a COP26 acontecia na Escócia. O cacique representou as organizações indígenas COIPAM e FEPHAC, e a seu lado estiviram ativistas da 350.org.

    Diante do prédio espelhado na Avenida Brigadeiro Faria Lima, meca do setor financeiro no Brasil, Jonas Mura, com sua vestimenta tradicional e sua fala direta, deu entrevistas e conversou com uma representante do setor de sustentabilidade do banco, que informou que levaria as demandas para dentro da empresa.

    No discurso de Mura, ficaram claros os impactos da operação da Eneva sobre os povos indígenas que vivem na floresta há muitos séculos, o clima global e a fauna. Para o BTG Pactual, nada disso parece ter importado muito, já que o banco nunca mais se manifestou sobre o assunto ou respondeu às tentativas de conversa promovidas pela 350.org. 

    Nas redes sociais, nas agências de notícias e na realidade das ruas, porém, ficou evidente o descompromisso do banco com políticas ambientais, sociais e de governança (ESG).

  3. Unindo forças e celebrando a vida na Amazônia

    Um dos responsáveis pelas campanhas da 350.org na América Latina, Luiz Afonso Rosário, gosta de dizer que a resistência também se faz com alegria. Essa frase define bem o espírito de muitos participantes do Fórum Social Pan-Amazônico (FOSPA), evento que reúne centenas de ativistas socioambientais de diversos países, em Belém, entre 29 e 31 de julho de 2022.

    O FOSPA é um espaço fundamental de troca de experiências e informações para os moradores da Amazônia que estão na linha de frente da proteção da floresta. Em debates, encontros e eventos, os participantes contam suas vivências, discutem formas de colaboração mútua e refletem sobre suas realidades. Aproveitam esses momentos de encontro, também, para celebrar a beleza e a força da diversidade de culturas que seguem existindo na Amazônia, apesar de todos os desafios. Dança, música e risadas fazem parte dessa celebração, é claro.

    Na edição de 2022, um dos temas de destaque foi a resistência dos povos tradicionais ao setor de combustíveis fósseis, que já provocou graves e numerosas agressões ao bioma e aos próprios povos indígenas e ribeirinhos no Equador, no Peru e na Venezuela.

    Para alertar o Brasil sobre as consequências da expansão do petróleo e gás na Amazônia, a 350.org e seus parceiros organizaram um debate sobre as formas de resistência protagonizadas pelas comunidades de vários países e as possibilidades de ação no Brasil.

    Debate sobre formas de resistência à extração de combustíveis fósseis na Amazônia reuniu ativistas, indígenas e estudantes no FOSPA, em Belém. Crédito da foto: Tita Padilha/350.org


    A Coordenação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (COIPAM) e a Associação de Silves pela Preservação Ambiental e Cultural (ASPAC) foram co-organizadoras do debate, do qual participaram representantes indígenas, ribeirinhos e do setor acadêmico.

    Fora dos debates, uma marcha de centenas de pessoas encheu de sons e cores da floresta o Centro de uma das maiores cidades do bioma amazônico. Foi um protesto, uma festa e uma reafirmação coletiva de vida. Quando a própria existência de um grupo transforma-se em ameaça a interesses econômicos e políticos poderosos, esse grupo mostrar-se vivo, íntegro, solidário e integrado é uma resposta inacreditavelmente poderosa. Dos cantos indígenas entoados na rua aos tambores dos grupos de jovens artistas que se uniram ao protesto, a marcha em Belém deu uma amostra da Amazônia que queremos.

    Ah, e claro, também teve ativista caindo no carimbó, ritmo paraense que embalou boa parte dos encontros no FOSPA. Olha este vídeo do Dino do Clima, aqui embaixo. Que delícia de momento, né? Do orgulho e da alegria de estarmos unidos por uma causa fundamental vem muita força para seguir lutando por uma Amazônia livre da destruição dos combustíveis fósseis.

    Conheça a campanha Resistência Amazônica, da 350.org, e ajude a pressionar governos e empresas por uma Amazônia livre da extração de petróleo e gás!