Na América Latina, o Peru é um dos países que deu um passo importante na direção de reconhecer a condição de migrantes por motivo ambiental e climático em sua legislação, com a Lei Marco sobre Mudanças Climáticas, de abril de 2018, na análise da advogada Erika Pires Ramos, fundadora e pesquisadora da Rede Sul-Americana para Migrações Ambientais (RESAMA)

Confira os trechos:

‘Migrantes devido a causas ambientais. Pessoas ou grupos de pessoas que, devido a mudanças inevitável, repentino ou progressivo do meio ambiente, que afetar negativamente suas vidas ou suas condições da vida, eles são forçados a deixar suas casas habituais, ou eles decidem fazê-lo voluntariamente. Deslocamento pode ser temporário ou permanente, dentro do seu país ou no exterior’.

Atenção aos migrantes por causa ambientais:

O Poder Executivo emitirá um plano de ação para prevenir e atender a migração forçada causada por efeitos das mudanças climáticas, a fim de evitar o aumento da pressão sobre infraestrutura e serviços urbanos, maior possibilidade de conflitos sociais e, entre os próprios migrantes, em detrimento dos indicadores de saúde, educacional e social’.
(Lei climática Peruana)

O país também mantém dispositivo legal em que a ‘residência humanitária’ pode ser autorizada para pessoas que migraram por razões relacionadas a impactos na natureza e meio ambiente.

O exemplo da lei climática peruana é positivo, segundo Erika. Os desafios gerais na região, em sua avaliação, é o exercício desse encaminhamento legal na ponta, no dia a dia, com relação ao aumento dos ‘migrantes climáticos’. 

“É muito importante escutar, dar voz e garantir uma participação ativa às comunidades que serão beneficiárias dessas políticas, normas e estratégias em qualquer nível.  Suas percepções, práticas e experiências são fundamentais para a construção de soluções efetivas e duradouras”, afirma a fundadora da RESAMA.

Segundo a especialista, a iniciativa peruana incorpora compromissos firmados no Acordo de Paris, que foi realizado no âmbito das Conferências do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2015, e tem como um dos pontos principais nas negociações entre as nações, que haja ações voltadas para a adaptação e redução de danos dessas pessoas que migram ou se refugiam por causa da vulnerabilidade decorrente de eventos extremos das mudanças climáticas e do Aquecimento Global. As negociações continuam ao longo destes anos e serão discutidas, entre 6 e 13 de dezembro, na COP-25, em Madri, na Espanha.

A evolução no tratamento dado à condição de deslocamento por motivo climático é gradual e lenta na região latino-americana, segundo avalia Erika, e ainda precisa ser melhor mapeada. “Os mecanismos de proteção humanitária como os vistos ou residência por razões humanitárias presentes na legislação migratória são o que efetivamente temos em termos de proteção, em vários países da América Latina, que são considerados boas práticas”. As perspectivas até o ano de 2050 é que estes fluxos se acentuem devido ao estresse hídrico, insegurança alimentar e aumento do nível do mar, entre outras causas. “É importante também salientar que estes processos migratórios são um fenômeno multicausal e não exclusivamente ambiental, e por isso, tão complexo”.

Segundo a especialista, a mobilidade humana vem sendo integrada nos planos nacionais de adaptação (PNAs) e nas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) de alguns países. “No Plano Nacional de Adaptação do Brasil, por exemplo, consta a migração como possível estratégia de adaptação aos efeitos adversos da mudança climática”, diz. A recepção humanitária pode ser autorizada para uma pessoa de qualquer país em situação de calamidade maior ou desastre ambiental.

Refugiados climáticos América Latina

Foto: Divulgação/ElMostrador

 

Legislações latino-americanas

Um estudo produzido em 2018 para a Plataforma de Deslocamentos por Desastres, da iniciativa de Nansen e para o Alto Comissariado da ONU para Refugiados Climáticos (ACNUR), mostra um panorama dos países onde a legislação migratória prevê a concessão destes vistos e a proteção, na maioria das vezes, de forma temporária. “Mas poucos países consideram estas pessoas como refugiados”, esclarece. (veja também Parte ½ – A América Latina e o desafio crescente dos refugiados climáticos). Sem dúvidas, um recorte importante foi após o terremoto no Haiti, em 2010. Especialmente no cone sul, a Conferência Sul-Americana de Migração (CSM) introduziu a referência ao tema da migração, meio ambiente e mudanças climáticas em suas declarações anuais.

No caso do Equador, após os impactos humanos do terremoto haitiano, o governo adotou um decreto presidencial que implementou um ‘processo de regularização’ para haitianos no país e enquadrou nas razões humanitárias, vítimas de desastres ambientais e naturais.

Estes vistos e residências humanitárias, na maioria dos países latino-americanos, podem abranger a situação de estrangeiros fugindo de um desastre. Como um exemplo, a disposição “humanitária” relevante presente na lei nacional de imigração Argentina, em 2017, utilizada em relação a haitianos. O decreto que deu efeito a este programa afirma que a disposição legal mais ampla se aplica com base em desastres naturais e seus efeitos, como o terremoto de 2010 e o furacão Matthew de 2016. Assim se abriu a possibilidade de residência transitória por ‘razões humanitárias’ a pessoas que não podem temporariamente retornar aos seus países de origem devido a consequências geradas por desastres ambientais naturais ou causados ​​pelo ser humano.

A Bolívia também tem um avanço, ao cobrar de seu Conselho Nacional de Migração para coordenar políticas públicas para viabilizar, conforme necessário, a admissão de populações deslocadas por efeitos climáticos, quando um risco ou ameaça às suas vidas podem existir.

No Paraguai, por exemplo, uma nova lei de imigração, em discussão desde 2016, visa incluir “Deslocamentos causados ​​por desastres naturais”. Na Colômbia, a legislação atual concede um amplo poder a autorizar permissões de entrada e permanência e temporária permanência, por motivos extraordinários. De acordo com interpretação do estudo, isto pode ter facilitado a abordagem dada à chegada de venezuelanos em 2017 e abre um precedente futuro para pessoas que estejam fugindo de um desastre associado a um risco natural.

Para Erika, as diferentes medidas tomadas até agora são importantes, mas representam o passo inicial. “É necessária a elaboração de políticas específicas para atender às necessidades características da categoria de deslocados climáticos e atuar mais incisivamente na diminuição das desigualdades socioeconômicas, que facilitam o aumento da vulnerabilidade deste contingente de pessoas”. 

A prioridade, em sua avaliação, é a elaboração de estratégias que visem à diminuição de vulnerabilidade e aumento da resiliência dos países mais afetados, porque pode evitar que as pessoas tenham que se deslocar, sem desconhecer também que há limites. “Em algumas situações não haverá possibilidade de permanecer e o deslocamento deve ser viabilizado com a participação da comunidade e de forma segura e digna, com proteção ampla em todo o processo do deslocamento, seja ele provisório ou definitivo”.

O que se torna claro no retrato humano nos “refugiados do clima”, segundo Erika, é que na maior parte das vezes são os que menos contribuem para a aceleração das mudanças climáticas. “E são os mais afetados, porque muitas vezes não têm os recursos financeiros e técnicos para criar as capacidades de resposta”.  

A fundadora da RESAMA analisa que o caminho propositivo neste tema é que as grandes plataformas internacionais incorporem a necessidade de enfrentar a migração/deslocamento em suas agendas, e que facilitem o processo de comunicação entre as mesmas.

Sobre a 350.org Brasil e a causa climática

A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas.

Desde o início, trabalha questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis junto às comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa das comunidades afetadas por meio da campanha Defensores do Clima. Mais uma vertente das iniciativas apoiadas pela 350.org é da conjugação entre Fé, Paz e Clima.

###
Sucena Shkrada Resk – jornalista ambiental, especialista em política internacional, e meio ambiente e sociedade, é digital organizer da 350.org Brasil

Veja também:
Refugiados climáticos: um termo que começa a ganhar atenção na governança global
Da América do Sul à Europa: nova anfitriã da Conferência do Clima (COP25) é a Espanha
COP-25: Chile não irá mais sediar Conferência do Clima da ONU programada para dezembro
Sínodo da Amazônia termina com uma proposta conscientizadora sobre as mudanças climáticas
Refugiados climáticos: uma realidade brasileira
Chile se torna um caso atual das mudanças climáticas
O ultimato, agora, vem por meio dos oceanos
Ambições modestas dos países marcam Cúpula do Clima
Entenda o que está em jogo com o limite de aumento da temperatura média do planeta em 1.5º C até o final do século