Hoje é o dia da “Revolução Farroupilha” (1835-1845), uma data importante no Rio Grande do Sul, por representar uma das mais extensas revoltas no Brasil. A 350.org Brasil entrevistou a química Maria Elisabete Haase-Möllmann, gaúcha de Taquari, que residiu 21 anos no exterior, e retornou há seis anos a Porto Alegre, que traz uma releitura sobre este processo histórico ligada a um tema urgente e atual, que é o desafio climático. Ela atua em projetos internacionais e inovação e traz este olhar mais amplo. Observa o modo de ser gaúcho inserido no mundo em transformação frente ao desafio do combate à utilização dos combustíveis fósseis no estado, como o carvão, que aceleram as Mudanças Climáticas e o Aquecimento Global. Sob o olhar socioambiental o engenheiro ambiental e Mestre em Planejamento Urbano e Regional John Wurdig alerta sobre os comprometimentos que giram entorno deste tema.

O que está em questão?

Há décadas, há um esforço mundial para a eliminação do carvão mineral da matriz energética, no âmbito das Conferências internacionais do Clima, por estarem entre os principais causadores do aumento das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs). Assunto em pauta na Cúpula do Clima, que acontece nesta segunda-feira, e que estará entre os principais tópicos da Conferência das Partes da Convenção-Quadro sobre as Mudanças do Clima (COP 25), que ocorrerá no Chile, em dezembro.

Hoje existe, inclusive, uma Aliança para o Abandono do Carvão, com meta até 2030. Os países que integram este compromisso são: Bélgica, Canadá, Dinamarca, França, Holanda, Itália, México, Portugal, Reino Unido e Suíça, entre outros. A China, que é o maior emissor de GEE, também é cobrada e enfrenta este grande desafio da descarbonização de sua matriz energética.

Aqui no Brasil, por outro lado, estão em andamento alguns projetos para exploração minerária, que têm causado apreensão. Entre eles, o que prevê a instalação da Mina Guaíba, que está na fase de análise do licenciamento prévio, prevista para funcionar nos municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas, RS, a poucos quilômetros de Porto Alegre. O objetivo é a exploração de 166 milhões de toneladas do carvão mineral com destinação principalmente à gaseificação e a termoelétricas a carvão, em períodos de estiagem, quando cai a produção nas hidrelétricas.

O que é carvão mineral?
Um combustível fóssil extraído do subsolo pela mineração. É resultado da decomposição de matéria orgânica de restos de árvores e plantas.

O empreendimento da empresa Copelmi Mineração está sendo analisado pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (FEPAM), do Rio Grande do Sul. O projeto prevê a ocupação de uma área total de 4 mil hectares equivalente a 6.124 campos de futebol, com vida útil de exploração de 30 anos.

Já ocorreram duas audiências públicas, nos municípios onde ficará localizada a mina, que fazem parte do trâmite exigido no processo, e uma terceira especialmente convocada pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal, que ocorreu em Porto Alegre, em agosto. A iniciativa está inserida em um outro contexto, que é da Lei Estadual 15.047/2017, que criou a Política Estadual do Carvão Mineral e o Polo Carboquímico do RS.

Engenheiro ambiental John Wurdig alerta sobre os riscos do investimento em carvão, combustível fóssil, no RS

Foto: Divulgação

Recorte socioambiental

Wurdig alerta que a área onde está prevista a instalação da Mina Guaíba é frágil e está às margens do rio Jacuí. “É vizinha à área de amortecimento da Reserva do Parque Estadual Delta do Jacuí e da Área de Proteção Ambiental (APA) Delta do Jacuí. São unidades de conservação com mata Atlântica e têm próximo comunidades do povo indígena Mbyá-Guarani, além de mais de 70 agricultores familiares, que têm produção agroecológica”, explica. Um dos impactos previstos é a supressão de mais de 2 mil hectares de vegetação e rebaixamento do lençol freático, que altera os cursos d`água no entorno. A Copelmi informa que as comunidades afetadas serão reassentadas.

“Na região existe mais de 800 pescadores artesanais no rio Jacuí, que precisam ser ouvidos. O empreendimento não menciona a situação destas famílias”, alerta Wurdig, após analisar vários aspectos do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) do empreendimento. Segundo ele, também há dados escassos do comprometimento de fauna e flora local.

De acordo com o engenheiro ambiental, o processo (como um todo) faz parte de uma estratégia do fortalecimento do carvão. E outros elementos devem ser considerados. “Houve o desmantelamento da Fundação Zoobotânica do RS (FZB), que protege a biodiversidade, e da Fundação de Economia e Estatística (FEEE), que produzia índices da poluição industrial do RS, como também a alteração da Secretaria Estadual de Meio Ambiente para Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura com um departamento de mineração”, expõe Wurdig.

Segundo o engenheiro ambiental, é preciso voltar em algumas décadas, quando a  questão carboquímica surgiu em 1971, no estado, por meio da criação de um comitê para um polo carboquímico na Assembleia Legislativa. “O projeto ficou parado por algum tempo e o termo carboquímico ressurgiu em 2004 no plano diretor de Eldorado do Sul, estipulando que se pode construir polos carboquímicos, entre as atividades previstas para o uso do solo e a instalação de indústrias e empresas em Eldorado”.

Existe uma dicotomia de discursos, em sua avaliação, já que o próprio governo do estado anunciou em dezembro do ano passado, um estudo que revela alto potencial do RS para investimento em energia solar. O Atlas Eólico e da Biomassa já haviam sido lançados em 2014 e 2016.

Revolução nos dias de hoje

Uma série de entidades tem se manifestado contra estes projetos de incentivo ao carvão mineral no estado, que tem a maior reserva do país. Entre elas, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), o Conselho Estadual do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (Consema), o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais e União pela Vida – UPV. Algumas ações civis já tramitam na Justiça.

Segundo especialistas, há inúmeros aspectos perigosos envolvidos neste tipo de empreendimento. Um deles é a drenagem ácida da mina, que gera risco de contaminação nos recursos hídricos, devido ao contato com o enxofre com a água, além de outros elementos, como gás sulfúrico, gases de nitrogênio, poeiras finas e particulados, metais pesados tóxicos. Nesta lista, estão cádmio, chumbo e mercúrio, que podem provocar desde problemas respiratórios a cardíacos.

O vaivém da história

Química Maria Elisabete Haase-Möllmann analisa historicidade do risco do investimento em carvão

Foto: Divulgação

“Parto do sentimento enraizado de amor e orgulho das pessoas e sua relação com campos, águas, florestas e ar do pedaço de terra que vivemos, o Rio Grande do Sul. As tradições gaúchas na música, dança, literatura mais culinária celebradas das mais variadas formas fazem parte do quotidiano dos gaúchos. No fundamento está nossa natureza que nos forma, descrita já no Brasil Colonial, contra cujo regime imperial a Revolução Farroupilha de 1835-1845 tentou se impor”, diz Maria Elisabete.

Neste contexto de elementos reais e simbólicos, Maria Elisabete traz um pouco de historicidade da ligação com o meio ambiente intrínseca há séculos entre o povo gaúcho. “A esse país, meu Senhor, tenho chamado a Terra dos Muitos e ouça Vossa Mercê a razão: a verdade aqui há muita carne, muito peixe, muita marreca, muito maçarico real, muita perdiz, muita courama, muito pântano”, assim descrevia  André Ribeiro Coutinho  nos anos de 1740 nossos pagos à superiores em Lisboa.

Maria Elisabete destaca que já nos anos de 1740 o carvão obtido a partir de árvores era insuficiente como fonte de energia da Revolução Industrial que se anunciava na Europa, e a dizimação das florestas foi enorme. “O desenvolvimento da produção industrial do combustível coque a partir do carvão mineral e as grandes reservas exploradas na Inglaterra e Alemanha impulsionaram a produção industrial e concentração de capital, resultando nos paradigmas que hoje conhecemos: desenvolvimento humano, distribuição da renda e concentração de capital geradas a partir do mesmo, com consequências fatais para meio ambiente explorado até a exaustão.

A fossilização da economia continua, conforme analisa a especialista, mas já os mesmos países europeus se preparam para um futuro livre de energias fósseis,e uma nova era industrial baseada em energias renováveis, reciclagem, digitalização e eletromobilidade. “A exemplo da Alemanha, o fim da mineração de carvão mineral de baixa qualidade, a céu aberto já é previsto por lei para 2038, A última mina subterrânea de carvão mineral fechou em dezembro de 2018”, conta a química.

São 200 anos de economia baseada em combustíveis fósseis, com seus primórdios na primeira revolução industrial, chegarão muito rapidamente ao seu fim. “Também em terras gaúchas, a “Terra dos Muitos”, há mobilização de pessoas com amor e orgulho pelas terras gaúchas contra o anacronismo da planejada Mina do Guaíba das empresas brasileira Copelmi, norte-americana Air Products e a chinesa Zhejiang Energy Group”, complementa.

Ela recorda que em tempos passados, o discurso era o seguinte – “E em qualquer tempo, muito trabalho, muita faxina, muita boa água, muita esperança e muita saúde para servir à Vossa Mercê”.  Esta razão foi o argumento final para enaltecer os régios administradores portugueses da serventia das terras gaúchas.

“Bem, o tempo de Vossa Mercê passou, países têm planos concretos de saída de carvão mineral. Vossa Mercê virou você, a sociedade gaúcha também não usa você em sua linguagem falada, não quer também apostar em uma fonte de energia perfeitamente alinhada com dois séculos atrás. Que vença a opinião pública a peleia contra o licenciamento da Mina do Guaíba, mostrando na prática o amor que temos como sobre-viventes dos invernos e verões na nossa “Terra dos Muitos”. E que ainda sirvam a todos nós – no ano de 2019, e alinhado com o futuro de sustentabilidade- muita boa água, muita esperança e muita saúde”, diz Maria Elisabete.

E a pergunta que fica – Qual é a Revolução Farroupilha de hoje?

Sobre a 350.org Brasil e a causa climática

A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas.

Desde o início, trabalha questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis junto às comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa das comunidades afetadas por meio da campanha Defensores do Clima.

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Sucena Shkrada Resk – jornalista ambiental, especialista em política internacional, e meio ambiente e sociedade, é digital organizer da 350.org Brasil

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