O início do Sínodo da Amazônia, no Vaticano, neste domingo (06/10) deu a dimensão da complexidade do que será exposto e discutido até o próximo dia 27, sobre a relação da Igreja Católica no território pan-amazônico (nove países da região, incluindo o Brasil) e com seus povos indígenas e tradicionais. Papa Francisco deu o tom desse conteúdo,  nesta segunda-feira, ao iniciar seu pronunciamento ao lado de representantes indígenas e expor às dezenas de bispos e convidados, que o objetivo do diálogo tem as dimensões pastorais associadas às culturais, sociais e ecológicas. E não há espaço para posturas elitistas neste processo.

Logo no início de sua fala, expôs que há necessidade de se tomar cuidado com colonizações ideológicas por parte da Igreja. “…os povos são protagonistas de sua própria história, todos têm uma sabedoria própria, consciência de si, têm de sentir uma maneira de ver a realidade, uma história… e você pode iniciar uma colonização ideológica que destrua ou reduza a idiossincrasia dos povos…”, alertou aos presentes. 

E foi mais adiante – “… Quando a Igreja se esqueceu disso…depreciava certos povos. E de quantas falhas nos arrependemos hoje… O centralismo ‘homogeneizador´ não demonstra a autenticidade da cultura dos povos”, disse. Nas entrelinhas, o pontífice afirmou que o desafio está em respeitar as diferenças.

Para papa Francisco, a construção de estereótipos não é o caminho para uma postura de pertencimento nesta relação. Cabe aos representantes da Igreja aceitar as diferenças culturais e não querer fazer avaliações intelectuais sobre os povos indígenas, pois dessa forma, só irá impor mais distâncias.  Mas aprender a admirá-los, além de trazer reflexões que estejam relacionadas à realidade do seu dia a dia. E é esta realidade soberana, segundo ele.

O pontífice ainda frisou que o papel da Igreja não é ser sensacionalista e baseada em hierarquia, ou seja, elitista. O Sínodo, por sua vez, deverá trazer caminhos em que a Igreja leve delicadeza e prudência na comunicação, que reflita fora o que é internamente, para que não gere ruídos.

 

Abertura Sínodo da Amazônia - 06/10/2019

Foto: Divulgação/Vaticano



Crise climática é pano de fundo

O brasileiro Dom Cláudio Hummes, relator do Sínodo, destacou em um extenso pronunciamento, que o encontro se realiza num contexto de uma grave e urgente crise climática e ecológica que atinge todo o planeta. “O aquecimento global do planeta pelo efeito estufa gerou uma crise climática sem precedentes, grave e urgente, como mostrou a encíclica papal Laudato si’ e a COP21 de Paris, em 2015, na qual foi assinado por praticamente todos os países do mundo o Acordo Climático até hoje pouco implementado, apesar da urgência”. Ele frisou que simultaneamente, há uma devastação sem precedentes dos recursos da terra, promovidas por um paradigma tecnocrático globalizado, predatório e devastador, denunciado pela Laudato si’. “A terra não aguenta mais”, afirmou.

Segundo o cardeal, a Igreja não deve ficar encerrada em si mesma, mas integrada na história e na realidade do território. “No caso, a Amazônia – atenta aos gritos de socorro e às aspirações da população e da “casa comum” [a criação],  aberta ao diálogo, sobretudo ao diálogo inter-religioso e intercultural, acolhedora e desejosa de  compartilhar um caminho sinodal com as outras Igrejas, religiões, ciência, governos, instituições, povos, comunidades e pessoas, respeitando as nossas diferenças,  no intuito de defender e promover a vida das populações da área, especialmente dos povos originários e a biodiversidade do território na região amazônica”, disse.

Dom Cláudio Hummes fez mais um alerta – “A vida na Amazônia talvez nunca tenha estado tão ameaçada como hoje, pela destruição e exploração ambiental, pela violação sistemática dos direitos humanos elementares da população amazônica, de modo especial, a violação dos direitos dos povos indígenas, como o direito ao território, à autodeterminação, à demarcação dos territórios e à consulta e ao consentimento prévios”. 

E explicou que a pesquisa sinodal, que antecedeu ao encontro, levantou com as comunidades, que as pressões são muitas hoje, desde criminalização e assassinato de líderes e defensores do território ao extrativismo ilegal de madeira, minérios e impactos de megaempreendimentos. Esta realidade, por sua vez, deve ser levada em conta nos diálogos e debates, durante o Sínodo da Amazônia.

Sobre a 350.org Brasil e a causa climática

A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas.

Desde o início, trabalha questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis junto às comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa das comunidades afetadas por meio da campanha Defensores do Clima. Mais uma vertente das iniciativas apoiadas pela 350.org é da conjugação entre Fé, Paz e Clima.

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Sucena Shkrada Resk – jornalista ambiental, especialista em política internacional, e meio ambiente e sociedade, é digital organizer da 350.org Brasil

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