A Encíclica Laudato Sí – sobre a casa comum, texto eclesial mais lido no mundo, elaborado pelo papa Francisco, em 2015, é uma das bases fundamentais de cunho socioambiental da preparação do Sínodo da Amazônia, encontro que deverá reunir 250 bispos da região, de 6 a 27 de outubro, no Vaticano, com o olhar voltado aos nove países da Pan-Amazônia (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa) e seus povos. O ponto central do evento são os novos caminhos para a igreja e a ecologia integral.

 “A Assembleia Especial para a Pan-amazônia é chamada a encontrar novos caminhos para fazer crescer o rosto amazônico da Igreja e também para responder às situações de injustiça da região”, disse o papa. As conclusões do Sínodo aprovadas pelo Pontífice deverão ser acolhidas pelas Igrejas.

Especialistas não religiosos também estão sendo convidados, sob anuência do papa. São auditores, peritos, cientistas e ambientalistas, que terão papel de aconselhamento. O evento não será aberto a políticos com mandato e nem para militares, segundo o cardeal brasileiro Dom Cláudio Hummes, que é relator do Sínodo. Ele escreveu um livro sobre a concepção do processo e finalidade do encontro, lançado neste mês, no Brasil, pela Editora Paulus.

O Sínodo da Amazônia precede a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP-25), que acontecerá no Chile, em dezembro.

O que significa Ecologia integral?

“Nós, seres humanos somos parte dos ecossistemas que facilitam as relações geradoras de vida para nosso planeta, por isso é essencial o cuidado com estes ecossistemas. E é fundamental para promover a dignidade da pessoa humana, o bem comum da humanidade e o cuidado ambiental. Uma verdadeira abordagem ecológica se converte sempre em abordagem social, que deve integrar a justiça nas discussões sobre o ambiente, para escutar tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres. Isto é a Ecologia Integral”. (Fonte: Rede Eclesial Pan-Amazônica -REPAM)

Temas principais

Neste contexto da Ecologia Integral, estão sendo colocadas em questão a destruição extrativista, a necessidade de proteção aos povos indígenas em isolamento voluntário, processos migratórios, urbanização, família e comunidade. Outros pontos abordados são corrupção, a questão da saúde integral e ao que a igreja chama de ‘conversão ecológica’. Com isso, vem à tona questões atuais, como as mudanças climáticas causadas por desmatamentos, direitos indígenas e quilombolas, e de refugiados, como o caso dos venezuelanos na região. A Igreja propõe ações que a aproximem mais das comunidades, neste sentido, na Pan-Amazônia, onde vivem mais de 34 milhões de pessoas, sendo mais de 3 milhões indígenas, pertencentes a mais de 390 grupos étnicos.

Desde outubro de 2017, este sínodo está sendo organizado e recentemente foi produzido um material pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), que define os três eixos do documento, que são os seguintes: “a voz da Amazônia”; “ecologia integral – o clamor da terra e dos pobres” e “Igreja profética na Amazônia: desafios e esperanças”.

Desafios da Igreja na Amazônia

A Igreja tem como desafio estar mais próxima das comunidades. Passar de uma pastoral de visita para uma pastoral de efetiva presença. Por outro lado, compreender a Amazônia como um bioma essencial para a sobrevivência das espécies e comunidades humanas que nela estão, segundo o padre Dário Rossi, coordenador da Congregação Combonianos, que atua em todo o Brasil, incluindo a região amazônica, em entrevista à 350.org Brasil.

“A Amazônia, de fato, é um bioma tão forte, que os seus serviços ambientais e colaboração para circulação dos ciclos hídricos, precipitações e retenção de CO2, que são imprescindíveis para o mundo e temos de saber proteger. Aí entra todo o tema da ecologia integral”, esclarece ele.

Neste processo, de acordo com padre Rossi, é necessário um acompanhamento sobre quais as decisões e posicionamentos políticos, econômicos e culturais em relação aos estilos de vida, às tradições e também à religião e à evangelização. “Temos que assumir uma postura com o objetivo de proteger estes espaços, a vida e estas comunidades que estão neste território”, diz.

“Este encontro da Amazônia está sendo marcado por uma dimensão profunda de consulta e escuta que foi realizada nas comunidades, desde junho de 2018 a janeiro de 2019, para convergir no documento de trabalho. Foi um processo plural, com pessoas de outras confissões cristãs e de outras religiões, como também as que não têm vínculos religiosos”, explica padre Rossi.

“A Igreja também tem como desafio de longo prazo fortaleça outros modelos econômicos versus ao modelo predatório que pressiona a Amazônia, que permitam a convivência equilibrada com o bioma. Temos várias experiências em curso, com povos indígenas, tradicionais, agricultores familiares, com agroecologia, alguns pequenos projetos descentralizados”, pontua padre Rossi.

Segundo ele, os cientistas já alertam quanto à proximidade de ponto de não retorno, e da savanização da Amazônia (veja também A hipótese da savanização da Amazônia se torna cada vez mais provável) .“É preciso superar uma economia baseada predominantemente no monocultivo, mineração, pastagem, pensando só em commodities, senão não teremos futuro para a Amazônia. Os limites da natureza estão sendo extrapolados. Vivemos uma emergência climática”, diz padre Rossi.

De acordo com a REPAM, um dos objetivos esperados após este encontro, é uma atenção maior aos povos originários. Entre eles, que a igreja assuma como parte de sua missão o cuidado com a Casa Comum, propondo linhas de ação institucionais para o respeito com o ambiente, e projetar programas de formação formais e informais sobre o cuidado com a Casa Comum para seus agentes pastorais e abertos para toda a comunidade, como também denunciar a violação dos direitos humanos e a destruição extrativista.

O conceito de “bem-viver” dos povos indígenas é colocado como um princípio a ser respeitado.

O que é o conceito de bem-viver?

“É um modo de viver em harmonia consigo mesmo, com a natureza, com os seres humanos e com o ser supremo. Esta compreensão da vida se caracteriza pela harmonia de relações entre a água, o território e a natureza, a vida comunitária e a cultura, Deus e as diversas forças espirituais”. Esse preâmbulo é seguido do alerta quanto às pressões sofridas na Amazônia, em relação à violação dos direitos dos povos originários, como o direito ao território, à autodeterminação, à demarcação dos territórios e à consulta e consentimento prévios.  (Fonte: REPAM)

“Provavelmente, nunca os povos originários amazônicos estiveram tão ameaçados em seus territórios como o estão agora. A Amazônia é uma terra disputada em várias frentes”, alerta papa Francisco.

Sobre a 350.org Brasil e a causa climática e  indígena

A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas.

Desde o início, trabalha questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis junto às comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa das comunidades afetadas por meio da campanha Defensores do Clima.

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Sucena Shkrada Resk – jornalista ambiental, especialista em política internacional, e meio ambiente e sociedade, é digital organizer da 350.org Brasil

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