Na contramão dos apelos de cientistas, da sociedade civil, de líderes religiosos, e de milhões de cidadãos ao redor do mundo por medidas concretas a favor da vida e do desenvolvimento sustentável, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), realizará, na quarta-feira (10), a 16ª Rodada de Licitação de Blocos para Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural. A iniciativa do governo brasileiro reforça a aposta em um modelo de  crescimento econômico insustentável e sujo, que prejudica não só o meio ambiente, mas toda a população que depende de atividades como turismo e pesca artesanal (veja mais no quadro 2).

Em uma área de quase 30 mil quilômetros quadrados, 36 blocos localizados em sete setores de cinco bacias sedimentares estarão abertos para que as empresas explorem seus potenciais de extração. Nessas localidades, ainda não é possível determinar o tamanho exato das reservas. No entanto, já se sabe que existem enormes riscos ambientais previstos nas regiões a serem leiloadas. 

A bacia de Camamu-Almada, que situa-se na costa leste brasileira, entre as cidades de Salvador e Ilhéus, na Bahia, é um dos melhores exemplos. Ao prosseguir com a oferta de exploração de petróleo na região, a ANP ameaça o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, local que apresenta a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul e é mundialmente conhecido por ser berçário das baleias-jubarte. Para a 16ª Rodada de Licitações, estão em oferta quatro blocos exploratórios nesta região – totalizando uma área de 2.985,74 km².

Sensibilidade de Abrolhos a acidentes é enorme 

Segundo as Cartas de Sensibilidade Ambiental a Derramamentos de Óleo do Ministério do Meio Ambiente, numa escala de 1 a 10, a região do sul da Bahia e de Abrolhos ficou em 9, alcançando quase o nível máximo sensibilidade.

Já a bacia de Jacuípe, também localizada na margem continental leste brasileira, no estado da Bahia, apresenta limite geográfico a sudoeste com Camamu-Almada e conta com outros três blocos estritamente marítimos, em uma área de pouco mais de 2 mil km². A exploração nessa área também representa sérios riscos para Abrolhos.

Embora recomendações técnicas feitas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) apontem a grande sensibilidade do local, o presidente do instituto, Eduardo Fortunato Bim, e o diretor-geral da ANP, Décio Oddone, assinaram a autorização para o leilão – inclusive reconhecendo o risco de derrames acidentais atingirem “em curto espaço de tempo importantes áreas com espécies endêmicas e ameaçadas”. 

Em abril de 2019, quando o presidente do IBAMA assinou a autorização, diversas organizações da sociedade civil criaram abaixo-assinados solicitando que os blocos não sejam leiloados. Além disso, a 350.org Brasil e o Ministério Público Federal (MPF) propuseram ações civis públicas para impedir o leilão desses blocos. Porém, ainda não foram obtidas decisões da Justiça Federal e do estado da Bahia quanto à proibição, fazendo com que o IBAMA siga com a licença. 

“Ao continuar priorizando projetos ligados a combustíveis fósseis – não só nas bacias próximas a Abrolhos – o governo brasileiro segue fazendo um grande desserviço aos seus próprios cidadãos e para as populações em todo o mundo. A capacidade terrestre de absorver emissão de gases de efeito estufa liberados por esse tipo de extração já está esgotada. A única maneira de minimizarmos os efeitos da crise climática é proteger nossos territórios em uma caminhada para um futuro com investimentos em fontes de energia 100% renováveis, limpas, justas e livres”, aponta a diretora de mobilização da 350.org, Nicole Figueiredo de Oliveira.

Mais de 55 mil famílias seriam afetadas por um acidente

O Parque Nacional Marinho de Abrolhos foi o primeiro a ser criado nessa categoria e hoje tem 36 anos. É a região com a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul, com aproximadamente 1,3 mil espécies, 45 delas consideradas ameaçadas. 

Abrolhos possui 87.943 hectares, administrados pelo ICMBio. A proteção do local gera renda para cerca de 20 mil pessoas e a pesca nas regiões vizinhas ao Parque movimenta mais de R$100 milhões ao ano, representando 10% da receita da atividade no Brasil. 

Segundo o consultor de comunidades tradicionais da 350.org Brasil, Luiz Afonso Rosário, um vazamento de óleo na região poderia prejudicar pelo menos 55 mil famílias que dependem da pesca artesanal.

Mesmo com inúmeras informações sobre os riscos ambientais e climáticos, 17 gigantes petrolíferas, em sua maioria estrangeiras, se inscreveram para participar do leilão. Chevron e Exxonmobil, dos Estados Unidos; Ecopetrol, da Colômbia; e Total, da França; são algumas delas; não sendo difícil encontrar notícias sobre escandalosos casos de corrupção, vazamentos e outras práticas suspeitas envolvendo algumas das participantes.

O diretor associado de campanhas da 350.org América Latina, Juliano Bueno de Araújo, ressalta que investir nessas áreas não só piora a emergência climática que vivemos – porque a extração de petróleo e gás é a principal responsável pelo agravo das mudanças do clima –, mas também pode se tornar um negócio de alto risco para as empresas petrolíferas. “Um eventual vazamento de petróleo nessa região atingiria, em um curto espaço de tempo, importantes áreas que contam com mais de 1,3 mil espécies – algumas endêmicas e ameaçadas de extinção. Para além do dano ambiental incalculável,  o prejuízo para as empresas poderia chegar a bilhões de dólares”, diz.

Juliano lembra que representantes da sociedade civil brasileira se  manifestam há décadas contra a exploração de combustíveis fósseis. “É uma  indústria com práticas retrógradas e cruéis, que age sem transparência e que não se importa com  comunidades e ambientes afetados, mas só com o lucro. Não é concebível que ainda estejamos pensando em investir em projetos de alto risco, sendo que temos inúmeras tecnologias de energia sustentável que podem auxiliar a frear o aumento da crise climática”, complementa Araújo. 

O ambiente de riscos e incertezas em relação aos blocos de Camamu-Almada e Jacuípe seria suficiente para que as empresas participantes não investissem nas áreas. Além disso, é necessário lembrar que existem outros 29 blocos que também representam sérios riscos ambientais e de agravamento da crise climática por meio das emissões geradas pela extração de petróleo. Desde 2013, a 350.org Brasil, em parceria com a Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida (COESUS) e o Instituto Internacional Arayara, pressionam os governos para que os compromissos climáticos estabelecidos pelo Brasil e por todos os outros países do mundo sejam cumpridos. As organizações também trabalham pela transição energética e pela ampliação das energias renováveis com justiça social e ambiental.

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Livia Lie – comunicóloga, coordenadora de Campanhas Digitais da 350.org Brasil e América Latina e voluntária da Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima Água e Vida.

 

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