Carlos Rittl - Observatório do Clima

Carlos Rittl

As questões climáticas ganham cada vez mais espaço na agenda mundial e se ampliam nas vozes nas ruas e nas mídias sociais. Muitas questões surgem neste espaço de democracia. No Brasil, a Política Nacional sobre a Mudança do Clima completou uma década, e qual é o balanço sobre sua implementação e desafios pela frente? No cenário mundial, a humanidade enfrenta o desafio do avanço das mudanças climáticas e do aquecimento global e das migrações que crescem em decorrência do aumento dos eventos extremos. Tudo isto será colocado na mesa de negociações entre cerca de 200 países, incluindo o Brasil, na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP-25), de 2 a 13 de dezembro, em Madri, na Espanha. O que está sendo cobrado é o “maior nível de ambição” por parte das nações para o encaminhamento a economias de baixo carbono, conforme metas do Acordo de Paris, em 2015.  Sobre este tema atual e futuro, o Doutor em Biologia e Recursos Naturais, Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima (OC), concedeu a entrevista especial, desta semana, à jornalista Sucena Shkrada Resk, da 350.org, no Brasil, que é ONG observadora do OC.

Confira a entrevista na íntegra: 

350.org Brasil – A Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.187/2009) completou uma década. Qual a sua avaliação sobre a implementação?

Carlos Rittl (Observatório do Clima) – Antes da instituição da Política Nacional sobre Mudança do Clima havia sido criado o Plano Nacional das Mudanças Climáticas. A própria Política já previa o plano e que haveria os planos setoriais econômicos, como o plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), da indústria, da mineração, da saúde, dos transportes de carga e logística para mobilidade urbana. Em tese, todos estes planos setoriais deveriam ser incorporados, para que a gente tivesse um conjunto de ações coerentes com a proposta da política. Na área de energia, ninguém mexeu praticamente nos Planos Decenais de Energia (PDEs), porque gira muito recurso e infelizmente há muitos interesses políticos e econômicos, e também casos de corrupção. Em 2013, houve uma atualização do Plano Nacional sobre Mudança do Clima, mas de forma precária. Foi realizada consulta pública na internet, em um link com difícil acesso, no site do Ministério do Meio Ambiente, com baixíssimo nível de participação. 

O Governo fez a avaliação e não publicou a atualização, por isso, é difícil analisar a contento. Os planos setoriais foram implementados de formas diferentes pelos ministérios, como o do Cerrado, que avançou um pouco até o ano passado. No geral, ficaram num desenho muito tímido, como alguns avanços na área de transporte, com propostas de avaliação sobre as emissões das grandes obras de transporte e logística até por volta de 2013, e em alguns setores industriais houve a discussão sobre mitigação (redução de danos). O ideal é que avançassem no sentido, por exemplo, de substituição de modais. No caso da saúde pública, seria muito importante haver empenho, porque as mudanças climáticas trazem um cenário de epidemias crescentes, doenças gastro-intéricas e aumento de custo no setor. 

Na minha avaliação, além do Cerrado, o único plano que avançou um pouco foi o ABC. Deveria resultar em aumento de crédito agrícola para agricultura de baixo carbono. O que a gente viu de 2010 para cá, foi a diminuição contínua do percentual de aplicação de recursos no Plano Safra, que neste ano tem a previsão orçamentária mais baixa, de 0,9%.  Fica difícil avaliar na prática o que houve de redução de emissões de GEEs e na produção do setor. 

350.org Brasil – Neste contexto, de uma “implementação tímida” da Política e do Plano sobre Mudanças do Clima, qual o seu parecer sobre a questão do desmatamento, especialmente na Amazônia, e de legislações como o Código Florestal (12.651/2012), que se tornou mais permissivo. Quais são as perspectivas?

Carlos Rittl – Ao longo do tempo, se estabeleceu o Plano de Prevenção contra o Desmatamento da Amazônia, entre 2004 e 2012 houve uma redução significativa dos índices de desmatamento, e depois disso, uma flutuação. Havia algum tipo de empenho nas diferentes gestões do Ministério do Meio Ambiente, mesmo com problemas existentes nos governos. Agora, vimos a explosão em 2019 e tudo indica que nos leva a uma situação pior no ano que vem. Só no sistema de alerta do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a taxa oficial de desmate relativa ao período de agosto de 2018 a julho de 2019, foi de 9.762 km 2 na Amazônia, uma aumento de 29,5% em relação ao período anterior. Entre setembro e outubro, que será contabilizado no ano que vem, já soma mais de 4 mil km 2 desmatados. A tendência daqui para frente infelizmente é conviver com taxas acima de 10 mil km 2. O sistema Prodes/INPE de monitoramento do desmatamento da floresta amazônica por satélite detecta muito mais do que isso. O Código Florestal existe, mas na prática está sendo completamente desrespeitado. 

Um total de 95% dos alertas de desmatamento indica que ocorrem de forma ilegal ou por falta de autorização, ou ocorrem em terra públicas (unidades de conservação e terra indígenas), que não deveriam ser desmatadas. Diminuiu a fiscalização pelo Ibama, a aplicação de multas caiu 30% em 2019, o engavetamento de plano de prevenção do desmatamento da Amazônia e do Cerrado e quase fim do Fundo Amazônia por tentativa de ingerência do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, tudo isso coloca o Código Florestal à margem. 

Produtores rurais que desmataram além dos limites têm que recompor florestas em reserva legal e áreas de preservação permanente. Muitos não estão fazendo isso, na expectativa de mudanças legais menos restritivas. Existe um projeto de lei do governo para acabar com a Reserva Legal, como outras iniciativas de prorrogação do prazo do Cadastro Ambiental Rural. O Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), do MMA, que tem o objetivo de restauração florestal, com o oferecimento de mudas, não está acontecendo. O Plano de Adaptação às Mudanças Climáticas também está parado na pasta.

350.org Brasil – Com relação aos combustíveis fósseis, qual é a sua avaliação sobre o posicionamento do Brasil estar investindo no avanço da exploração de gás e petróleo do Pré-sal, nas licitações destes últimos anos, que terão continuidade em 2020?

Carlos Rittl – Alguns anos atrás, a gente criticava as projeções nos PDEs. Desde a descoberta do Pré-Sal, havia um discurso governamental de que iria ser a tábua de salvação para a educação e saúde, como um passaporte ao primeiro mundo. Nós criticávamos desde lá esta projeção de investimentos em fósseis, que foi aumentando. Agora, já são 77,6% na projeção para os próximos 10 anos, percentual que avançou. Grande parte deste óleo e gás deve ser destinada para exportação e a gente parte do pressuposto de que o clima vai ter de comportar as emissões associadas às produções de petróleo do Brasil, do Oriente Médio, dos EUA e da Ásia (com carvão), e há a visão equivocada de achar que a atmosfera é infinita, e não há comprometimentos nestas emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs). Nós já estamos passando por uma transição energética, com as energias renováveis, em especial a energia fotovoltaica, entre outras, mas o processo é lento.

Aqui no Brasil, as principais fontes de emissões na área de energia vêm do setor de transportes, devido ao consumo de gasolina e diesel. A gente não vê o mesmo esforço de investimento de substituição de modais de rodoviários por ferroviários, por exemplo. Hoje as ferrovias são mais destinadas ao transporte de cargas e não, para passageiros. Isso tende a crescer por causa do avanço da exploração de minérios. 

Num prazo médio de cinco a oito ano anos, a energia solar deve ser mais barata. Os painéis solares ainda não são acessíveis às classes mais desfavorecidas.

O investimento em óleo, gás e carvão mineral, este último acaba atendendo a um lobby principalmente no sul do Brasil, deve sofrer um desestímulo até 2050. A demanda tende a ficar mais ociosa em fósseis, e estes investimentos vão acabar se transformando em grandes elefantes brancos. Estamos nos encaminhando para impactos das mudanças climáticas de grande porte, que também ocasionarão crises econômicas e isto pressionará o encaminhamento para fontes mais limpas. 

Blog 350.org Brasil – Recentemente a Aneel colocou em consulta pública uma proposta de ajuste regulatório para mini e micro geração distribuída de energia solar, o que infere maior taxação? O que tem a dizer a respeito?

Carlos Rittl – A eólica se tornou competitiva com incentivos. A partir de 2009, começaram a ser realizados leilões competitivos e o setor tem gerado milhares de empregos, mesmo com a recessão econômica. Quanto à solar, as distribuidoras de energia também fazem lobby para que o consumidor não seja produtor de energia. Em anos recentes, alguns estados concederam isenção de ICMS. Esta eventual mudança que pode ocorrer nos incentivos, deixará o Brasil mais marginalizado. A Alemanha, EUA e China, estes dois últimos, que ainda são os maiores poluidores mundiais, têm um grande aporte de incentivos a renováveis. Na Índia, por exemplo, há incentivo por microcrédito a milhares de pessoas. 

350.org Brasil – No atual governo, houve a extinção e redução de conselhos, com participação da sociedade civil, em todas as áreas, incluindo a de meio ambiente e mudanças climáticas. Um dos exemplos é a redução significativa dos participantes no Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Como esta mudança na gestão participativa pode influenciar as políticas climáticas?

Carlos Rittl – Sim. A Política Nacional sobre a Mudança do Clima e os planos setoriais têm de ir muito além das instâncias de governo, incorporando academia e sociedade civil, entre outros segmentos. Trata-se de uma agenda de país, de Estado. A redução destes espaços de participação é uma postura que afeta a democracia. O Conama foi praticamente extinto. Existia um processo democrático na sua formação, com a participação de diferentes organizações não governamentais, além da representação da gestão pública. Essas medidas diminuem a capacidade de incidência da sociedade civil de forma organizada. Hoje a representatividade é menor e o diálogo é consequentemente menor. Para a atualização da política e plano nacional sobre Mudança do clima, deveria continuar a haver também diálogo por diferentes setores, incluindo a Ciência e Academia. 

Agora o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas deveria continuar a ser este espaço de interlocução e hoje praticamente inexiste. Hoje a coordenação não tem qualquer suporte do governo federal. Outro ponto crítico é que a governança climática também foi dizimada neste ano, dentro da estrutura do governo federal. O objetivo desde comitê é que a política de clima fosse uma política de desenvolvimento. Na estrutura do estado, a secretaria de mudanças climáticas, no Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, foi extinta. Nada a substituiu. A agenda de clima no governo federal inexiste. 

350.org Brasil – Quais as construções de cenários com as hipóteses cada vez mais presentes da savanização da Amazônia do comprometimento dos demais biomas?

Carlos Rittl – A tendência é de que a situação seja cada vez mais desoladora, não só na Amazônia. A transformação do Cerrado, com o plantio de soja, maciçamente  na Matopiba. Tudo isso é extremamente crítico e foi acentuado com a revogação no dia 6, do decreto 6.961/2009, que extingue o zoneamento ambiental da cana-de-açúcar para a Amazônia e Pantanal. Novos vetores estão fazendo pressão, como a prorrogação do Zoneamento Agroecológico para o cultivo da cana-de-açúcar na Amazônia, que se abre de forma indiscriminada. No Pantanal, áreas em que não há permissão, tendem a sofrer pressões. Outros processos são relacionados a projetos de lei que tramitam na área legislativa, como o novo código de mineração, propostas de abertura de terras indígenas para agropecuária. Tudo isso favorece o estímulo ao desmatamento. Os cenários tendem a ser os piores.

350.org Brasil – E quanto às projeções do aumento dos chamados refugiados climáticos ou migrantes em decorrência no clima, um alerta dos estudos feitos pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU)?

Carlos Rittl – Existem historicamente no Brasil migrações do semiárido para capitais do Nordeste ou ao sudeste e ao sul do Brasil, devido às questões climáticas. Já ocorrem migrações mais ao norte do Nordeste para estados da Amazônia e mais ao Sul do Nordeste tendem também a migrar mais. Estes ambientes devem se tornar áridos e as pessoas não conseguirão sobreviver sem água. No caso do Sudeste, isso vai levar à intensificação de ondas de migrações, do norte de Minas Gerais e parte do Espírito Santo, por exemplo, a outras regiões. 

Na costa brasileira, o problema é de aumento do nível do mar. Desde o arquipélago do Marajó há um exemplo de vulnerabilidade. Em 2017, mais de 48% dos municípios brasileiros, quase 2,7 mil sofreram com secas severas. E outras 1,7 mil sofreram com enchentes e alagamentos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Riscos de estresse hídrico e alagamento aumentam nestes cenários. 

Já recebemos migrantes de outros países, com instabilidades econômicas, sociais e ambientais, fugindo da pobreza extrema. Há a tendência destes processos migratórios aumentarem. Com as nossas políticas atuais, não há preparo para gerenciar estes riscos. O Plano Nacional de Adaptação está bem desenhado no papel, mas não implementado, pois está engavetado. A cidade do Recife, por exemplo, chegou a decretar emergência climática. Isto demonstra a possibilidade de mudanças de postura vindas das governanças climáticas locais, algo importante a se destacar também.

350.org Brasil – Nesta conjuntura, o Brasil terá condições de cumprir os compromissos firmados no Acordo de Paris, de 2015, que será discutido em dezembro na COP-25, em Madri?

Carlos Rittl – Com base nos dados do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), o país não deverá cumprir as metas para 2020, diante dos cenários atuais principalmente em relação ao combate ao desmatamento da Amazônia e do Cerrado. Isso significa que terminaria o ano que vem, com emissões de carbono 2,3% maiores do que o compromisso menos ambicioso da política nacional, e 7% superiores ao compromisso mais ambicioso. Esses dados com base em dados de 2017, sem computar o desmatamento em 2018 e 2019. O compromisso voluntário estabelecido, que foi ratificado aqui, foi de chegar a 2020 com uma redução suas emissões em 36,1% a 38,9% em relação ao que emitiria se nada fosse feito. Como não há estratégias em curso para esse combate, não deveremos atingir também as metas em 2025. 

Compromisso firmado pelo Brasil no Acordo de Paris
Reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025, com uma contribuição indicativa subsequente de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% abaixo dos níveis de 2005, em 2030. Para isso, o país se comprometeu a aumentar a participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética para aproximadamente 18% até 2030, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas, bem como alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética em 2030.

Fonte: MMA

350.org Brasil – No contexto geopolítico, o Acordo de Paris tem chance de ser bem- sucedido?

Carlos Rittl – O cenário é difícil. Há muitos governos atrelados a lobbies fortíssimos, como da indústria fóssil, que lidam com trilhões de dólares. Ao mesmo tempo o tema das mudanças climáticas tem sido dominante como uma preocupação que envolve a sociedade. Neste último ano, o movimento na rua crescente com os jovens como a Greta Thunberg, com o Fridays for Future, entre outros. Esta pressão tende a crescer, o que é algo positivo. Há lideranças principalmente de países mais vulneráveis com metas mais ambiciosas. Em países desenvolvidos, movimentos de prefeitos e governadores com contraponto de retrocessos em algumas administrações, como a atual dos EUA. Temos de fazer com que os alertas contínuos da Ciência quanto ao perigo de as gerações futuras terem uma longevidade menor, no contexto do aumento das mudanças climáticas, sejam ampliados. Isto mexe com mudanças abruptas nos padrões da relação e consumo. 

Embora neste momento não sejamos tão otimistas, devido ao retrocesso em diversos governos, vai chegar um momento em que os cientistas e jovens vão dizer aos tomadores de decisão – ‘Nós avisamos. Se não agirem com mais rapidez, muitas pessoas perderão suas vidas, os impactos econômicos e no ecossistema, dos corais a florestas, serão catastróficos”. Os temas ambientais, climáticos tendem a ter maior espaço nos períodos de eleições. Isto é um elemento positivo colocado à mesa. O pior que pode acontecer é chegar lá na frente e dizer – ‘teria dado tempo’. Se não for por esses chamados dos cientistas e jovens, então, será por meio dos impactos dos eventos extremos.

Sobre a 350.org e as mudanças climáticas

A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas.

Desde o início, trabalha questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis junto às comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa das comunidades afetadas por meio da campanha Defensores do Clima. Mais uma vertente das iniciativas apoiadas pela 350.org é da conjugação entre Fé, Paz e Clima.

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Sucena Shkrada Resk – jornalista ambiental, especialista em política internacional, e meio ambiente e sociedade, é digital organizer da 350.org Brasil

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