Uma cerimônia com expressiva carga de simbolismo foi realizada no último dia 20, durante o Sínodo da Amazônia, que está sendo realizado no Vaticano, na Itália. O encontro entre o papa e principalmente bispos da Pan-Amazônia (nove países da região, incluindo o Brasil) começou dia 6 e termina dia 27. Nas catacumbas de Santa Domitila – mais antigo cemitério de Roma -, um grupo com mais de 40 religiosos, sob liderança do cardeal brasileiro dom Cláudio Hummes, que é relator do encontro, assumiu o compromisso de defesa dos pobres, dos territórios e da conservação socioambiental da Amazônia. O documento recebeu o nome de “Pacto das Catacumbas pela Casa Comum”. Nos bastidores, os argumentos contidos no texto também têm apoio na Encíclica Papal Laudato Sí, de 2015, e base científica, com assistência de especialistas, como o climatologista brasileiro Carlos Nobre.
A iniciativa é uma releitura do Pacto das Catacumbas de Santa Domitila, ao término do Concílio Vaticano II, em 1965, quando 42 bispos à época estabeleceram que iriam viver uma vida simples, sem privilégios, voltados principalmente à população mais vulnerável. Entre eles, estava Dom Hélder Câmara (1909-1999), que está em processo de beatificação.
“Eu tenho certeza que esse Pacto das Catacumbas é algo que nos vai ajudar muito para estarmos unidos neste trabalho todo”, afirmou o cardeal Hummes, que estava usando a estola que pertenceu à Câmara, sobre o qual falou emocionado, ressaltando que o religioso destacava que a Igreja não pode esquecer dos mais pobres.
O documento atual recebeu a inclusão de “Casa Comum”, se referindo ao planeta, no contexto da Encíclica Laudato Sí. Logo no seu início, apresenta o objetivo de defender uma “igreja com rosto amazônico, pobre e servidora, profética e samaritana, referenciando os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e comunidades das periferias e todos que historicamente sofreram com a violência para poder preservar a Amazônia, mas acima de tudo, o Planeta.
O texto alerta para a devastação do território amazônico frente a um sistema econômico predatório e consumista e é dividido em 15 compromissos. Durante a celebração, também estavam presentes representantes da Igreja Anglicana e da Assembleia de Deus.
Aqui, sintetizamos os principais pontos da Carta:
Com a ameaça do aquecimento global e exaustão dos recursos naturais, é assumido o compromisso da defesa dos territórios e da floresta em pé, que contribui para o ciclo de carbono e regulação do clima global, além de sua riqueza de biodiversidade e rica sociodiversidade para a humanidade e a Terra inteira.
Um pilar dessa proposta é a ecologia integral, que é calcada no respeito aos mais pobres e povos originários, ajudando-os a manter seu protagonismo, por meio da manutenção do território, da cultura, de suas línguas e patrimônios imateriais. Esse propósito não permite nenhum tipo de postura colonialista, menção que tem sido enfatizada pelo Papa Francisco.
Para que todas estas ações façam sentido, há um alerta contra posturas consumistas e o documento enfatiza a proposta de redução da produção de resíduos e uso de plásticos e incentiva o favorecimento da produção e comercialização de produtos agroecológicos, e da utilização de transportes públicos, para diminuir a emissão de Gases de Efeito Estufa (GEEs).
Mais um ponto ressaltado é o respeito aos diferentes, que também expõe a necessidade de uma comunhão inter-religiosa e ecumênica. Para colocar isso em prática, a igreja deve ter a escuta e voto nas assembleias diocesanas, como também nos conselhos pastorais e paroquiais, de toda a comunidade, envolvendo desde os povos originários e leigos (as).
O Pacto das Catacumbas pela Casa Comum traz também uma mensagem forte de abertura à representatividade das mulheres nas comunidades da Amazônia, colocando a questão de gênero na pauta. Neste conceito em que derrubar hierarquias é uma prioridade, as ações pastorais, segundo o documento, também devem ser inclusivas, facilitando o protagonismo também de jovens, em especial nas periferias, e de migrantes, não esquecendo da contribuição de empregados, desempregados, de estudantes, de educadores e pesquisadores.
Igreja atenta à Ciência
O climatologista brasileiro Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), é um dos convidados especiais, no Sínodo da Amazônia, Durante o evento, no último dia 9, o cientista levou como mensagem a proposta da chamada “Bioeconomia”, uma contribuição para a base científica, no evento, que alia a tecnologia aos saberes tradicionais. “A tecnologia pode dar mais poder às populações, graças à bioeconomia, um novo modelo de economia sustentável, descentrada, auxiliada por energia proveniente de fontes renováveis, que respeitem a qualidade de vida das comunidades. Para que a Amazônia possa continuar sendo a floresta que é há 30 milhões de anos”. (Veja também A hipótese da savanização da Amazônia se torna cada vez mais provável) .
Nobre e o economista Jeffrey Sachs coordenaram o documento ” Marcos Científicos para Salvar a Amazônia “, assinado por 40 especialistas brasileiros e estrangeiros, que foi entregue ao Vaticano. O material expõe o alerta da devastação do bioma, em um ponto de praticamente não retorno, e sobre o que pode comprometer o planeta.
O cientista alertou para o perigo do negacionismo climático. “A encíclica do Papa Francisco ‘Laudato si’ mostrou que nossa casa comum está no risco de desabar. E a Amazônia também próxima do colapso”, destacou. Nobre foi reconhecido com o Prêmio Nobel da Paz, em 2007, por seu trabalho junto a outros cientistas no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da Organização das Nações Unidas (IPCC/ONU).
Sobre a 350.org Brasil e a causa climática
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Desde o início, trabalha questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis junto às comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa das comunidades afetadas por meio da campanha Defensores do Clima. Mais uma vertente das iniciativas apoiadas pela 350.org é da conjugação entre Fé, Paz e Clima.
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Sucena Shkrada Resk – jornalista ambiental, especialista em política internacional, e meio ambiente e sociedade, é digital organizer da 350.org Brasil
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